Uma assessora lotada no gabinete do deputado federal Eduardo Cury (PSDB) atuou como advogada para o prefeito de São José dos Campos, Felicio Ramuth (PSDB), em ao menos três processos.
O fato, em tese, não configura nenhuma irregularidade, já que a Câmara dos Deputados não exige dedicação profissional exclusiva para esse cargo. No entanto, embora tenha sido questionado pela reportagem, o gabinete de Cury não explicou como faz o controle de frequência para garantir que os servidores cumpram a carga horária semanal exigida, que é de 40 horas.
A servidora em questão é Gabriela Stefanie Guerreiro Nogueira, que ocupa desde junho de 2018 o cargo comissionado de secretária parlamentar de Cury. Ela não trabalha em Brasília – é lotada no gabinete regional do deputado, na Vila Adyana, em São José.
Em um dos processos, Gabriela defendeu Felicio e também o secretário de Saúde do município, Danilo Stanzani. Nessa ação, a dupla questiona uma postagem feita por um comerciante nas redes sociais. A ação foi protocolada de forma digital por Gabriela às 15h25 do dia 6 de maio, uma quarta-feira.
Em outro processo, Gabriela atuou como advogada de Felicio, que contestava uma postagem feita por um líder sindical nas redes sociais. Essa ação foi protocolada por Gabriela às 16h21 do dia 13 de maio, uma quarta-feira.
Nesses dois processos, Gabriela informou à Justiça no dia 26 de maio que deixaria o caso, sendo substituída por Mary Anne Mendes Cata Preta, advogada que normalmente representa o prefeito.
Em um terceiro processo, a situação se inverteu. A ação, novamente relacionada a postagens nas redes sociais, foi protocolada por Mary Anne em novembro de 2019. No dia 24 de abril, a advogada do prefeito foi substituída por Gabriela. Pouco depois, o processo foi extinto, sem nenhuma movimentação feita pela assessora de Cury.
As datas sugerem que Gabriela atuou para substituir Mary Anne em uma espécie de férias ou licença da advogada que costuma representar Felicio. Elas não atuam no mesmo escritório de advocacia – o endereço profissional de Gabriela fica no Jardim das Indústrias, e o de Mary Anne na Vila Adyana.
CÂMARA.
Segundo as regras internas da Câmara, a jornada de 40 horas de um secretário parlamentar deve ser cumprida em local e de acordo com o determinado pelo deputado.
Não existe folha de ponto, mas o gabinete deve informar mensalmente a frequência de todos os servidores lotados nele.
“A determinação de local e horário de efetivo exercício dos secretários parlamentares é atribuição do deputado titular do gabinete. Cabe a ele também o controle e a verificação de seu fiel cumprimento, informando à Administração da Câmara tão somente a regularidade da contraprestação laboral do servidor comissionado ou as eventuais ocorrências, não havendo informação detalhada do horário cumprido”, informou a Câmara.
Após pedido feito com base na LAI (Lei de Acesso à Informação), a reportagem obteve o relatório de frequência de Gabriela no mês de maio. Nela, não há registro de nenhuma falta.
“De acordo com os registros funcionais, a frequência da referida secretária parlamentar, em maio de 2020, foi atestada integralmente, não havendo registro de faltas injustificadas ou licenças”, informou a Câmara.
REPERCUSSÃO.
Questionado pela reportagem, o gabinete de Cury alegou que o deputado “não tinha conhecimento [de que Gabriela advogou para Felicio], mesmo porque a lei não prevê que advogados tenham que ter dedicação profissional exclusiva”.
O gabinete do tucano informou que o escritório regional da Vila Adyana, em que Gabriela atua, funciona em horário comercial. No entanto, desde 20 de março, devido à pandemia do coronavírus, “o atendimento presencial no escritório foi suspenso com os funcionários trabalhando em sistema de home office”. E Gabriela, que está grávida, se enquadra no grupo de risco da doença.
A assessoria de Cury argumentou que “todos os assessores parlamentares cumprem 40 horas de jornada semanal de trabalho, podendo ser parte em reuniões à noite ou no final de semana em cidades da RMVale, em horário variável, de acordo com a demanda do deputado e dos cidadãos que nos procuram”. No caso de Gabriela, que está em home office, a atuação seria “de acordo com a demanda de trabalho”.
O gabinete não explicou, no entanto, que método adota para controlar as horas trabalhadas por cada assessor. A assessoria de Cury também não informou se existe algum registro de que Gabriela tenha trabalhado para o deputado nos dias 6 e 13 de maio (datas em que protocolou as ações em nome de Felicio).
A reportagem questionou Gabriela como era feito o controle da frequência dela e se ela trabalhou para o deputado nos dias 6 e 13 de maio. A assessora informou apenas que as respostas seriam dadas pela Câmara e pela assessoria de imprensa de Cury.
Ao jornal, Felicio alegou que “contratou com recursos próprios o escritório de advocacia para fazer sua defesa pessoal” nos processos, e que “quem define os advogados que irão atuar no processo é o próprio escritório”.
Mary Anne Mendes Cata Preta, que é a principal advogada de Felicio, não foi localizada e não respondeu às tentativas de contato da reportagem.