27 de dezembro de 2024
Feminino

‘Gozar é uma revolução’, diz terapeuta orgástica

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“Sentir prazer é, sim, um poder feminino. Dentro de uma sociedade que diz que uma mulher que sente prazer merece menos dignidade e respeito, onde o feminicídio só cresce, se apropriar do próprio corpo chega a ser um ato político”. Quem faz a avaliação é a terapeuta orgástica Charlise Freitas de Andrade, da casa Prazerela, de São Paulo, que vai além: “mais que isso, é um ato revolucionário”. 

Em uma conversa sobre culpa, vergonha, submissão ao masculino e construções reprimidas sobre a sexualidade feminina, a especialista, que trabalha para auxiliar mulheres na busca pelo prazer e pela apropriação do próprio corpo, traça um cenário totalmente desfavorável, que explica o motivo de muitas mulheres não atingirem o clímax sexual. 

Para se ter ideia, uma pesquisa conduzida no início deste ano com 3.500 entrevistadas, pela marca de vibradores Lilit, mostrou que 3 a cada 10 mulheres atingem o orgasmo durante o sexo. Em outra pesquisa de 2018, realizada pela própria Prazerela e respondida anonimamente por 1.370 mulheres de todas as regiões do Brasil, disse que somente 16% delas tinham prazer com penetração. Elas também foram indagadas sobre a frequência de orgasmos: 74% afirmaram ter orgasmos ao se masturbarem, enquanto 36% dizem ter orgasmos nas relações sexuais.

Os dados nos levam a uma óbvia constatação: ainda que seja um direito de todas, ter prazer é algo restrito a poucas mulheres. Tanto que muitas delas procuram recursos como a terapia orgástica para se livrar de bloqueios, traumas e repressões, algumas experimentando pela primeira vez a potência feminina orgástica, a partir de um trabalho corporal. 

“É transformador e ao mesmo tempo sensível. Não existe um ‘script’ para toda mulher que chega à casa. Cada corpo tem a sua história, suas dores e seus traumas. Busco compreender a história daquela pessoa em relação à sexualidade e desenvolvo um trabalho corporal, onde a massagem é a principal ferramenta”, explica Charlise, ao complementar que a terapia acontece no corpo inteiro, com a pessoa despida, incluindo massagem na vulva. “Esses novos estímulos de prazer criam registros neurológicos que ficam armazenados no cérebro, por meio de novas sinapses cerebrais. A partir daí, esse caminho vai ficando mais rápido e potente”, garante.

As razões que levam mulheres à terapia orgástica são inúmeras. Segundo a especialista, o prazer feminino foi reprimido ao longo da história, porque nos foi ensinado que o correto era deixar o próprio corpo na mão de outra pessoa e, por consequência, o prazer, fazendo com que as mulheres acreditassem que não seriam capazes de ter orgasmos sozinhas. 

“Esse trabalho vai além desse lugar de resgate, dessa potência que cada mulher carrega dentro de si. Não sou eu que desperto essa força, são elas mesmas nesse processo de busca pessoal. O que faço enquanto terapeuta é dar a mão para que esse caminho seja o mais leve possível”, destaca. A especialista complementa que por mais que uma mulher faça anos de psicoterapia, alcançando a compreensão de determinado sofrimento ou limitação, o registro ainda continua no corpo. “Então, o que fazemos é criar registros de prazer. Não é nenhuma mágica. Na verdade, para criar registros novos precisamos lidar com os antigos e ressignificá-los”. 

Desconstrução. Vergonha e culpa são algumas das características que bloqueiam as mulheres de sentirem prazer porque há um discurso comum e antigo de que meninas têm que fechar a perna, que não podem tocar as genitais porque é feio ou sujo. Além disso, vivemos numa sociedade judaico-cristã, o que para Charlise influencia na busca do prazer, a partir da ideia do pecado e de que o corpo feminino pertence ao homem dentro de uma relação heteronormativa.

Por outro lado, os homens costumam ter outro tipo de educação sexual, incentivados desde cedo a consumir pornografia e a se masturbar. Diante deste discurso oposto, a terapeuta faz uma observação importante. “Quando dois seres decidem ter uma troca sexual o que geralmente vemos é um homem, que foi educado sexualmente na pornografia e que tenta reproduzir isso no sexo, e uma mulher reprimida, que não sabe nada sobre a própria sexualidade e que não tem repertório de prazer registrado no corpo. Olha só esse encontro, não dá certo.”

Por fim, ela reforça que a nossa construção da sexualidade, o que é diferente de sexo, não foi feita de maneira adequada, acumulando uma série de culpas no corpo e na mente feminina, sendo imprescindível nós mulheres nos darmos permissão para sentir prazer. “É resgatar esse poder feminino, que é um poder que sempre existiu e que está dentro de cada uma, só nos impediram de acessar”.