27 de dezembro de 2024
Literatura

Leia mulheres: elas são minoria e ressaltam a importância da diversidade na leitura

Por Renata Del Vecchio |
| Tempo de leitura: 3 min

Crise política, ambiental e econômica. Falta de emprego, de segurança, relações polarizadas, intolerância e caos social. A história se passa entre 2025 e 2027 e apesar de se tratar de ficção, o livro “A Parábola do Semeador”, publicado pela primeira vez na década de 1990, revela uma série de semelhanças com o mundo atual, nenhuma delas mera coincidência. Aliás, se a autora Octavia Butler estivesse viva, seria categórica ao dizer: “eu avisei”.


Conhecida como a grande dama da ficção científica, Butler foi uma escritora afro-americana que graças a clubes de leitura como o “Leia Mulheres”, que difunde e incentiva a leitura de escritoras, está em alta e ganhou destaque na principal prateleira da livraria Megafauna que, mais que evidenciar títulos de autoras, quer incentivar a leitura de autoras negras. Ao lado dela, a brasileira Marilene Felinto com o romance “As Mulheres de Tijucopapo”, que ganhou o prêmio Jabuti, em 1982, na categoria “Autor Revelação”. 


“Normalmente, nas livrarias, não temos destaque para autores negros, em geral, e, autoras negras, menos ainda. Se você fizer um recorte de uma estante de livraria mega store convencional, tirar todos os autores homens, depois, tirar todas as autoras brancas, restarão poucos livros de autoras negras. Então, a nossa ideia aqui foi dar destaque a elas”, disse Flávia Santos, coordenadora da livraria Megafauna, localizada aos pés do histórico Copan, de São Paulo, que foi idealizada por mulheres e preza pela bibliodiversidade.  


Foi exatamente isso que se viu recentemente na internet quando influenciadores digitais como Pedro Pacífico, do perfil Bookster, decidiu olhar para a estante de livros dele e remover todos os títulos escritos por homens. O resultado foi desastroso: não por falta de habilidade, o que se viu é que as mulheres são minoria e enfrentam desafios no mercado literário e editorial. 


“Por mais que eu já venha buscando uma estante com mais diversidade, o resultado é preocupante. Há quem possa considerar ser apenas coincidência o fato de ter muitos homens ou que, na verdade, na hora de escolher um livro ‘eu só penso se a história vai me agradar’. Será que a gente realmente não precisa se atentar a fatores como esse na hora de selecionar uma leitura?”, indagou Pedro.


Para ele, o fato de as mulheres serem minoria no mercado editorial é um fato histórico. Flávia, da livraria Megafauna, concorda. “Historicamente, as letras sempre foram negadas às mulheres e isso reflete também no mercado editorial. Se você pegar a tradição das editoras brasileiras e os grandes grupos editoriais vai perceber que todos são tocados por homens, com algumas exceções agora. Por exemplo, temos a editora Ubu que é tocada por uma mulher, mas é isso”. 


O assunto é tão relevante que foi inaugurada no centro de São Paulo a Rabo Sem Gato, primeira livraria do Brasil de escritos de mulheres. Segundo a fundadora Johanna Stein, o nome do espaço é emprestado do ensaio “Um quarto só seu”, de Virginia Woolf, uma homenagem a todas as escritoras: “animais estranhos e deslocados, que desfalcados de tempo, espaço e legitimidade, tiveram o atrevimento e a coragem de escrever – ou não encontraram outra saída senão essa”.


Na dúvida sobre o que ler ou como incentivar a mudança deste cenário, Pedro registra uma dica: “Vamos ler mais mulheres, autoras e autores negros, LGBT+, nacionais, jovens e por aí vai. Em um mundo em que a preocupação com o plano de fundo da webcam é tão grande, é sempre bom lembrar que uma estante cheia não diz nada sobre você. Já uma estante rica em diversidade, sim”.