O Vale do Paraíba tem papel central na trama golpista que levou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados ao banco dos réus no STF (Supremo Tribunal Federal), de acordo com as investigações da Polícia Federal. O julgamento, que teve início nesta terça-feira (2), apura a tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023.
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Nesta primeira etapa do julgamento, a Primeira Turma do STF destinou oito sessões para o caso, com o veredito previsto para ocorrer ao longo deste mês. Caso sejam condenados, os réus podem pegar penas superiores a 30 anos de prisão. Os acusados respondem por crimes como organização criminosa armada, golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Além de Bolsonaro, estão no banco dos réus ex-ministros e comandantes das Forças Armadas: Alexandre Ramagem: ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência); Almir Garnier: ex-comandante da Marinha; Anderson Torres: ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno: ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto: ex-ministro da Casa Civil e da Defesa; Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Nos demais núcleos da denúncia, são citados nomes da região com ligação direta à trama: o general da reserva Mário Fernandes, que comandou a 12ª Brigada de Infantaria Leve Aeromóvel, em Caçapava, e o engenheiro Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, formado no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos. A região está ligada a três pontos marcantes da trama.
O general Mário Fernandes confirmou ao STF que foi o autor do plano Punhal Verde Amarelo, plano que, de acordo com a Polícia Federal, incluía o sequestro e o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e de Alexandre de Moraes, ministro da Suprema Corte.
Segundo as investigações da Polícia Federal, Fernandes teria imprimido o plano em de 9 de novembro de 2022, no Palácio do Planalto. Cerca de 40 minutos depois, ele teria ido até o Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência então ocupada por Bolsonaro.
No depoimento, o general alegou que o arquivo era pessoal, mas confirmou que determinou a impressão do documento em uma impressora do Palácio do Planalto. Contudo, segundo o militar, o documento era destinado ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que era comandado pelo general Augusto Heleno, que também é réu. Ele negou que o arquivo seria apresentado em uma reunião com Bolsonaro.
No Vale, o general Mário Fernandes comandou a 12ª Brigada de Infantaria Leve Aeromóvel, sediada em Caçapava, uma das principais unidades militares do Exército Brasileiro na região Sudeste.
Fernandes faz parte do núcleo 2 da trama golpista, formado por seis réus que foram acusados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de gerenciar ações estratégicas para o sucesso do golpe, com a redação de uma minuta de decreto golpista e a utilização ilegítima da estrutura da PRF (Polícia Rodoviária Federal).
Também estão nesse núcleo Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais do ex-presidente Jair Bolsonaro, e Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal. O general Mário Fernandes está preso desde novembro do ano passado.
O engenheiro Carlos Moretzsohn, formado pelo ITA, em São José, em 1977, aparece nos autos como um dos articuladores técnicos e financeiros do grupo que pretendia manter Bolsonaro no poder.
Ele está no núcleo 4 da denúncia. Segundo a PGR, o núcleo reúne os responsáveis por espalhar notícias falsas e desinformação com o objetivo de criar desconfiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral, construindo clima social favorável ao golpe.
Nesse grupo está incluído o engenheiro Moretzsohn, presidente do Instituto Voto Legal - ele se diz um dos criadores das urnas eletrônicas.
O Instituto Voto Legal foi aberto em novembro de 2021 e contratado pelo PL no ano seguinte, para "auditar" as eleições presidenciais. As urnas eletrônicas, criadas em São José, foram atacadas, sem provas, por Bolsonaro no curso da campanha daquele ano.
O Voto Legal, sem nenhuma evidência, apontou, quatro dias antes do primeiro turno, que as urnas poderiam ser fraudadas por servidores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Depois da vitória de Lula, no dia 22 de novembro, Rocha esteve ao lado do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, em uma coletiva, para apresentar, mais uma vez sem provas, as supostas irregularidades nas urnas eletrônicas.
São José dos Campos, sexta-feira, dia 16 de dezembro de 2022.
Em solo joseense, o então comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Júnior enviou um recado direto ao presidente Bolsonaro (PL), que havia sido derrotado nas urnas em outubro daquele ano: a força "não anuiria com qualquer movimento de ruptura democrática". É o que consta o depoimento prestado à PF (Polícia Federal) pelo hoje ex-comandante. Traduzindo: ele comunicou que a FAB (Força Aérea Brasileira) não endossaria um golpe de Estado.
O episódio ocorreu a poucos metros de um acampamento bolsonarista em frente ao DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), formado por manifestantes que não aceitavam o resultado da eleição presidencial, vencida por Lula (PT).
De acordo com o depoimento de Baptista Júnior, naquela data, após uma cerimônia de formatura no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), ele encontrou-se com o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, um dos aliados mais próximos do presidente, e reforçou a ele que a Aeronáutica era contra qualquer movimento de ruptura democrática.
Segundo o relato, Heleno ficou 'atônito e desconversou'. O general havia solicitado uma aeronave da FAB para retornar a Brasília, porque Bolsonaro queria uma reunião de urgância para o dia seguinte, um sábado. Baptista foi com o ministro para uma sala reservada.
"O depoente [Baptista Júnior] afirmou de forma categórica ao general Heleno que a Força Aérea Brasileira não anuiria com qualquer movimento de ruptura democrática; que, por não ter sido convocado para a referida reunião, solicitou ao general Heleno que reafirmasse ao então presidente a posição do depoente e da Aeronáutica, que o general Heleno ficou atônito e desconversou sobre o assunto", diz a transcrição do depoimento à PF.
Dois dias antes, em 14 de dezembro, o ministro da Defesa do governo Jair Bolsonaro (PL), general Paulo Sérgio Nogueira, havia convocado os chefes militares para apresentar uma minuta de golpe de Estado contra a vitória de Lula. A afirmação foi feita em depoimento à PF por Baptista Junior e pelo então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes.
De acordo com eles, a reunião foi tensa e, segundo os relatos feitos à PF, o comandante da Aeronáutica deixou o gabinete do ministro da Defesa antes do término do encontro. A reportagem obteve acesso à íntegra dos depoimentos dos ex-comandantes à Polícia Federal. Eles afirmaram que a reunião ocorreu no dia 14 de dezembro de 2022.