Alternativas previstas na legislação trabalhista brasileira podem ser adotadas por empresas e sindicatos de trabalhadores para preservar empregos e diminuir os impactos das tarifas impostas ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Leia mais: Trump oficializa tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros
Decreto assinado por Trump nesta quarta-feira (30) adia para 6 de agosto a sobretaxa a produtos e exclui da lista 700 itens, mas setores taxados preveem prejuízos e demissões. Entre os principais estão áreas do agronegócio, especialmente café e carne, além de máquinas e implementos, e a indústria do plástico.
Os instrumentos legais que podem ser usados em negociações e acordos coletivos incluem layoff, férias coletivas, antecipação de feriados, banco de horas, contrato de trabalho intermitente, teletrabalho e a redução proporcional de salário e jornada.
As opções ganharam força após a reforma trabalhista de 2017 e com decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) tomada em 2022, que validou o princípio do negociado sobre o legislado.
Para especialistas, a redução de jornada com corte proporcional de salário seria a principal medida, por manter empregos e não depender de ato direto do governo para ser usada. Trazida pela lei nº 14.020, de 2020, a regra pode ser negociada diretamente entre empresas e sindicatos, sem necessidade de regulamentação.
"A partir da decisão do STF, os sindicatos passaram a ter um papel mais relevante. Por meio de acordos e convenções coletivas, podem viabilizar soluções que se ajustem à realidade de cada setor, garantindo a continuidade das atividades produtivas e a proteção do emprego e da renda", diz Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa Insper) e sócio do Calcini Advogados.
"Essa é a melhor política, pois mantém o vínculo. E vimos na pandemia que sindicatos e trabalhadores negociaram e melhoraram. Inclusive, ainda hoje muitas empresas usam", afirma Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), a maior central sindical do Brasil, com 2,7 milhões de trabalhadores filiados, defende outras alternativas, como antecipação de feriados e banco de horas, antes de se tentar a redução de salário e jornada. O motivo seria a baixa remuneração no país.
"No Brasil, 80% ganham até dois salários mínimos e quando a gente faz redução, demora para o trabalhador se recompor depois. Funciona bem na Europa", afirma.
"As férias coletivas possibilitam a redução de custos sem a necessidade de desligamentos. E o banco de horas, por sua vez, viabiliza o ajuste da jornada, acumulando horas que podem ser compensadas em períodos de menor atividade", explica Calcini.
O layoff, um dos mais antigos instrumentos da legislação, permite a suspensão temporária do contrato de trabalho por até cinco meses, período que pode ser aproveitado para qualificação profissional, e costuma ser muito utilizado no setor metalúrgico.
Há ainda o contrato de trabalho intermitente, modelo criado na reforma trabalhista que permite contratação de funcionário sob demanda, e o teletrabalho, fortalecido nos últimos anos.
Zylberstajn afirma que o aumento tarifário imposto pelos Estados Unidos deve gerar impactos localizados em setores específicos, diferentemente da pandemia de Covid-19, cujo efeito foi generalizado e imediato.
Há, no entanto, preocupação com a economia como um todo, porque são setores que, além ee empregar um bom número de trabalhadores formais, oferecem postos de qualidade e com bons salários.
"A possível retração da demanda externa gerada pelas tarifas pode levar a um aumento no desemprego justamente nas áreas mais estruturadas do mercado de trabalho", diz.
O professor acredita que os dois principais instrumentos a serem usados são o apoio financeiro às empresas, o que já está em estudo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a adoção da redução proporcional de jornada e salário nos setores afetados, melhor do que o layoff, em sua opinião.
Os especialistas defendem que o governo defina medidas o quanto antes e de forma complementar para mitigar efeitos no mercado de trabalho.
"Sem medidas de suporte, o risco é o aumento do desemprego e, consequentemente, da pressão sobre a rede de proteção social, como seguro-desemprego, Bolsa Família e demais benefícios assistenciais", diz Calcini.
"As políticas estão prontas. Basta reconhecer a situação como emergencial e colocar os mecanismos em prática. Além disso, é fundamental comunicar à sociedade e ao setor produtivo a intenção clara de proteger empregos e estimular o investimento, criando um ambiente propício para a recuperação e o crescimento", afirma Zylberstajn.
O Brasil conta hoje com mecanismos legais já prontos para enfrentar esse tipo de choque no mercado de trabalho, muitos deles aprimorados durante a pandemia de Covid-19 e validados pelo STF. Entre eles, destacam-se:
A legislação aprovada na pandemia de Covid-19 foi transformada em política permanente que permite redução proporcional de salários e jornadas de forma temporária, desde que haja negociação entre empresas e sindicatos.
O governo federal pode entrar com uma compensação financeira por meio do seguro-desemprego, pagando um valor para os trabalhadores, como aconteceu com o BEm (Benefício Emergencial).
- Como funciona: A empresa reduz a jornada e o salário por até 90 dias, com compromisso de não demitir durante esse período; não pode haver demissões pelo mesmo período em que foi adotada a redução
- Benefício: O trabalhador mantém o emprego e parte da renda, e a empresa ganha fôlego para atravessar o período de queda de demanda; o governo pode pagar benefício para compensar o corte de salário
- Viabilidade jurídica: O STF já considerou essa política constitucional, pois o salário-hora é mantido. A redução salarial é proporcional à jornada e depende de acordo ou negociação coletiva.
Por que a medida é considerada vantajosa?
- Mantém o trabalhador na empresa, mesmo com carga horária menor
- Preserva a qualificação e a cultura organizacional
- Facilita a retomada da atividade de reintegração ou treinamento sem custo adicional
É uma suspensão temporária do contrato de trabalho adotada por crises econômicas, estruturais ou operacionais enfrentadas pela empresa. No Brasil, a medida é regulamentada pela lei nº 4.923/65 e também foi tratada na medida provisória 936, que deu origem à lei de redução da jornada de trabalho.
- O contrato de trabalho é suspenso temporariamente, por um prazo de até cinco meses
- Durante esse período, o empregado não trabalha e o empregador não paga salário, mas deve custear o aperfeiçoamento profissional do trabalhador
- O funcionário pode receber uma bolsa do governo (com valor semelhante ao seguro-desemprego)
- A implementação do layoff precisa ser aprovada pelo sindicato da categoria e o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) deve ser comunicado
- Ao final do layoff, o empregador se compromete a manter o empregado por um período equivalente ao tempo de suspensão do contrato
As férias coletivas são concedidas a todos os empregados de uma empresa, setor ou estabelecimento, ao mesmo tempo e por um período determinado. Elas estão previstas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e têm regras específicas.
Podem ser concedidas até duas vezes por ano, desde que nenhum dos períodos seja inferior a dez dias corridos.
Principais regras:
- A empresa deve avisar o trabalhador com antecedência de, no mínimo, 15 dias sobre as férias
- O MTE também deve ser comunicado, assim como o sindicato da categoria
- O pagamento dos valores deve ser feito até dois dias antes do início das férias e incluir remuneração proporcional ao período mais o adicional de um terço constitucional
- Podem participar empregados com menos de 12 meses de empresa. Nesse caso, são concedidas férias proporcionais, e o contrato de trabalho é interrompido pelo restante do período para voltar a contar o direito a férias anuais individual
É um sistema que permite a compensação de horas extras trabalhadas, em vez de pagá-las com adicional de 50% ou 100%, mas também pode ser usado de forma reversa.
- As horas trabalhadas a mais viram crédito, e as trabalhadas a menos, débito
- Por lei e em acordos individuais, elas devem ser compensadas em até seis meses
- Se houver acordo coletivo, há permissão para que a compensação do banco seja feita em até 12 meses
O contrato de trabalho intermitente foi criado na reforma trabalhista de 2017. Nele, o trabalhador presta serviços de forma não contínua, ou seja, somente quando for convocado.
Quais são as exigências?
- Registro em carteira: O contrato deve ser formalizado por escrito e assinado, com anotação na carteira de trabalho
- Convocação prévia: O empregador deve convocar o trabalhador com pelo menos três dias de antecedência
- Aceitação do serviço: O trabalhador tem 24 horas para responder e pode recusar a convocação, sem sofrer nenhum prejuízo como dispensa, por exemplo
Ao final de cada período de trabalho, o profissional deve receber salário proporcional às horas ou dias trabalhados, férias e 13º proporcionais, além de ter o FGTS recolhido, o pagamento das contribuições ao INSS e, se for o caso, adicionais como noturno, hora extra ou de periculosidade, entre outros.
Teletrabalho, também conhecido como trabalho remoto ou home office, é quando o trabalhador realiza suas atividades a distância, fora das dependências da empresa.
O contrato de trabalho, nestes casos, deve ter as orientações específicas sobre as atividades que serão realizadas remotamente.
O empregador pode ou não arcar com os custos de internet, energia, equipamentos etc., dependendo do acordo entre as partes, ou de acordo ou convenção coletiva com sindicato da categoria.
A medida não está prevista na CLT, mas foi utilizada na pandemia de Covid-19 e validada pelo Judiciário, com isso, empresas podem adotá-la, desde que negociem com os sindicatos das categoria.
A medida deve estar em acordo ou convenção coletiva e prevê a antecipação do descanso legal previsto nos feriados para, em um momento futuro, compensar a jornada com trabalho quando houver demanda.
Não é permitido impor a antecipação sem acordo nem ferir direitos fundamentais como liberdade religiosa e descanso semanal obrigatório.