Criada em São José dos Campos, as urnas eletrônicas estão na mira da Casa Branca.
É o que aponta o deputado federal afastado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que apresenta-se como principal interlocutor do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em meio à crise do tarifaço de 50% para os produtos brasileiros, que passará a valer a partir de 1º de agosto. Segundo o parlamentar, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Trump "pode não reconhecer as eleições brasileiras em 2026" caso o pleito brasileiro tenha o uso de urnas eletrônicas.
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Em vídeo postado nas redes sociais, Eduardo sugere a possibilidade de intervenção dos EUA nas eleições brasileiras ou a adoção de novas retaliações comerciais. “Os brasileiros sentirão saudades da tarifa de 50%”, disse o deputado. Desde o pleito de 2018, passando também por 2022, a crítica às urnas eletrônicas é um dos pilares do discurso bolsonarista, mesmo sem a apresentação de prova.
Em tempo: o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já reafirmou que as urnas eletrônicas são seguras e auditáveis. O Itamaraty já se manifestou dizendo que qualquer tentativa de "deslegitimação das eleições brasileiras por agentes estrangeiros será tratada como uma ameaça à soberania nacional".
Agora no alvo de Trump, as urnas eletrônicas, criadas em 1996, já foram usadas em 15 eleições e completarão 30 anos em 2026. Uma história que teve São José como ponto de partida.
A ideia para que fosse estruturado o processo de informatização do voto surgiu após as eleições de 1994, essas sim marcadas por denúncias de fraude na votação com cédulas de papel. Naquele ano, devido ao alto número de inconsistências nos votos, a disputa por cargos de deputado estadual e federal no Rio de Janeiro foi anulada – e a votação teve que ser refeita.
Insatisfeito, o então presidente do TSE, Carlos Velloso, convocou intelectuais para debater as diretrizes para a elaboração do protótipo da urna. Esses colaboradores foram chamados de ‘grupo de notáveis’. Em 2022, o editor-executivo de OVALE, Julio Codazzi, contou essa história em detalhes.
Com as diretrizes definidas, o TSE formou em 1995 uma comissão técnica que ficaria responsável por desenvolver a urna e seu sistema de segurança. O ‘grupo técnico’ foi liderado por pesquisadores do Inpe e do DCTA, com sede em São José.
Do Inpe, foram destacados três pesquisadores: Mauro Hashioka, que ficou responsável pelo desenvolvimento do projeto e pelo hardware, a parte física da urna; Paulo Seiji Nakaya, que coordenou a logística; e Antonio Esio Marcondes Salgado, que ficou responsável pelos modelos de engenharia e pela produção fabril do equipamento. Do DCTA, o indicado foi Osvaldo Catsumi Imamura, que inicialmente cuidou do software (do programa) e do sistema de segurança, e a partir de 1999, com a morte de Hashioka, assumiu também a parte de hardware.
“Esse projeto teve dois objetivos. Um deles era acabar com a fraude eleitoral, que era fácil de acontecer [com as cédulas de papel], já que era um sistema muito simples. Agora, [com as urnas,] existem vários mecanismos [de segurança]”, disse Osvaldo Catsumi, que já se aposentou no DCTA e atualmente trabalha com consultorias na área.
“Outro marco para o avanço da democracia foi a inclusão. [Permitir] que as pessoas pudessem expressar sua escolha de uma forma concreta, expressar seu direito de voto. A urna chamou as pessoas para participarem de um processo mais moderno”, completou Catsumi.
A estreia das urnas ocorreu já em 1996, quando os votos de mais de 32 milhões de brasileiros (um terço do eleitorado da época) foram coletados e totalizados por meio dos mais de 70 mil equipamentos produzidos para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas 26 capitais (o Distrito Federal não participou por não eleger prefeito). Quatro anos depois, nas eleições de 2000, o Brasil teve o primeiro pleito totalmente informatizado.
Desde então, o equipamento tem servido de modelo para outros países e vem sendo aperfeiçoado – em 2009, por exemplo, ganhou um dispositivo para identificação biométrica.
Além disso, antes de cada eleição, a urna passa pelo chamado TPS (Teste Público de Segurança), no qual especialistas tentar romper as barreiras de segurança do equipamento. Os criadores do sistema costumam ser chamados para acompanhar os trabalhos. “É como se fosse um filho que você jogou no mundo, mas ele não é perfeito, então vamos em frente que ele vai evoluir”, disse Antonio Esio após o TPS de 2016.
"Quando vão introduzir alguma tecnologia nova, eu participo das reuniões para poder contribuir com pareceres e recomendações, disse Osvaldo Catsumi. "[Ajudar a desenvolver a urna eletrônica] foi uma das minhas maiores satisfações como profissional. Atuando na área de pesquisa, sempre achei que deveríamos desenvolver coisas que fossem úteis, alguma coisa que representasse uma mudança. E a fraude é um obstáculo à democracia", completou.
O grupo de criadores da urna eletrônica ficou conhecido como os ‘cinco ninjas’. O apelido surgiu porque três deles eram de ascendência japonesa: Paulo Seiji Nakaya, Osvaldo Catsumi Imamura e Mauro Hashioka, que morreu em 1999. Além de Antonio Esio Marcondes Salgado, o considerado quinto elemento era Giuseppe Dutra Janino, que durante 25 anos trabalhou no TSE, sendo os 15 últimos no cargo de secretário de Tecnologia da Informação – ele deixou o tribunal em setembro de 2021. Janino havia acabado de passar no concurso do TSE em 1996 quando foi designado para compor o grupo de ninjas.
A criação de um aparelho mecanizado para coletar votos era um desejo antigo no país. O primeiro Código Eleitoral, de 1932, previa em seu artigo 57 o “uso das máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior (Eleitoral)”, devendo ser assegurado o sigilo do voto.
Desenvolvida na década de 1990, a urna eletrônica teve, como primeiro nome, CEV (Coletor Eletrônico de Votos). A máquina teve como objetivo identificar as alternativas para a automação do processo de votação e definir as medidas necessárias à sua implementação, a partir das eleições de 1996.