O STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou recurso das defesas e manteve a decisão que condenou três médicos de Taubaté no Caso Kalume, como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980.
Clique aqui para fazer parte da comunidade de OVALE no WhatsApp e receber notícias em primeira mão. E clique aqui para participar também do canal de OVALE no WhatsApp
O recurso estava pendente de julgamento desde abril de 2024. Nesse intervalo, dois dos médicos morreram - Pedro Henrique Masjuan Torrecillas (em outubro de 2024) e Rui Noronha Sacramento (em junho de 2025). O processo segue com relação a Mariano Fiore Junior, que está foragido há oito meses - a prisão do trio foi decretada em outubro do ano passado.
No recurso ao STJ, a defesa dos médicos apontava supostas falhas no júri popular realizado em 2011, como cerceamento de defesa e condenação em contrariedade às provas dos autos. A apelação, no entanto, foi negada por unanimidade pela Quinta Turma, que é composta por cinco ministros. O julgamento foi realizado no último dia 17, mas a decisão foi publicada apenas nessa quinta-feira (26).
Na decisão, o ministro Messod Azulay Neto, relator do processo no STJ, afirmou que "não há que se falar em cerceamento de defesa", seja "pela inexistência de nulidade absoluta ou de demonstração de efetivo prejuízo". Sobre a alegação de que a condenação ocorreu em contrariedade às provas dos autos, o ministro apontou que o júri "concluiu pela existência de provas da materialidade delitiva independentes e suficientes para embasar a condenação".
O advogado Sérgio Badaró, responsável pela defesa de Mariano Fiore Junior, afirmou que irá recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal). "Respeito a decisão [do STJ], mas discordo dela. Por isso vamos recorrer ao STF".
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume, que morreu em janeiro de 2025, relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes.
O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil. O inquérito, concluído apenas em 1996, apontou que quatro médicos eram responsáveis pelas mortes dos quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic, que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Durante a investigação, peritos do IML (Instituto Médico Legal) apontaram que os documentos disponíveis nos prontuários não eram suficientes para atestar os quadros de morte encefálica - ou seja, que nem todos os exames necessários haviam sido realizados. Em um dos casos, os peritos afirmaram que os laudos apontavam que o sistema de irrigação intracraniana estava ativo, o que é incompatível com o diagnóstico de morte encefálica.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado. Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia.
Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Os médicos, que afirmavam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados e que os prontuários analisados pela investigação estariam incompletos, recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuaram com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.
Somente em setembro de 2024, após o STF decidir, em outro processo, que condenados por júri popular podiam ser presos imediatamente, a família de Alex de Lima pediu a prisão dos três médicos que continuavam vivos.
Após concordância do MP, o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, expediu os mandados de prisão no dia 14 de outubro do ano passado. Mesmo assim, nenhum deles chegou a ser preso. Três dias depois, um dos médicos, Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, morreu. Já Rui Noronha Sacramento morreu em 7 de junho de 2025. Com isso, o processo foi extinto em relação a eles. Já Mariano Fiore Junior segue foragido.