Transformar a cidade de São José dos Campos em um polo de atração para produções audiovisuais, tendo a prefeitura como facilitadora para quem quer produzir filmes, séries, documentários, clipes e criações publicitárias, entre outros. Além das vocações para tecnologia, inovação e aeroespacial, o município agora quer ser considerado ‘amigo do audiovisual’.
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Essa é a principal missão da SJC Film Commission, lançada pela Prefeitura de São José dos Campos e pela FFCR (Fundação Cultural Cassiano Ricardo) em 14 de abril deste ano. Trata-se do mais ousado programa de desenvolvimento do setor audiovisual da história da cidade.
“Temos todo um trabalho que você desenvolve para ser uma cidade amiga de produções cinematográficas, e é isso que a gente vai desenvolver no decorrer dos meses”, disse Tom Freitas, presidente da FCCR (foto abaixo).
Em entrevista a OVALE, ele detalha as atribuições e características da SJC Film Commission, fala da importância do audiovisual para a cidade, reflete sobre o papel da economia criativa e os benefícios que São José terá tornando-se uma “cidade amiga do audiovisual”. Confira a entrevista na íntegra.
O que é a São José Film Commission?
É um núcleo dentro da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, aqui da Prefeitura de São José dos Campos, que tem o intuito de facilitar as produções cinematográficas, produções audiovisuais, tanto para os realizadores locais como para os realizadores do nosso país, e também para realizadores e coproduções internacionais. Ela tem esses eixos principais: facilitação e apoio logístico a produções em São José.
A gente também quer fomentar as produções dentro de São José, sejam elas de filmes, séries ou publicitárias, de realizadores locais ou não. A gente percebe que o país está num momento muito estratégico de atração de recursos, de fundos internacionais, de coproduções. O Estado de São Paulo está lançando uma série de editais para produções cinematográficas. Então, a cidade se prepara para esse momento do audiovisual dentro do país. E, claro, atrair recursos externos é sempre bem-vindo para a cidade.
A Film Commission é uma estrutura que existe em várias cidades?
Sim. A gente tem experiências aqui no nosso país, nós temos em torno de 27 grupos de Film Commission dentro do nosso país. Também é uma experiência em outros países, já vem de muito tempo. Você tem experiências de Film Commission como a de Portugal, por exemplo, ou as americanas. Há décadas que elas são esses facilitadores de produções audiovisuais. Criando, inclusive, mecanismos de atração para que essas produções venham até essas cidades.
Hoje, você tem no nosso país em algumas cidades e estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, e agora mais recente o próprio Ministério da Cultura lança essas possibilidades de, por exemplo, cash rebate [incentivo financeiro oferecido para atrair filmagens para uma determinada região], que são formas de mecanismo de incentivo para que essas produções, com incentivos fiscais, aconteçam dentro do país e dentro dessas cidades.
No âmbito da Fundação Cultural, quem participa dessa comissão em São José?
Essa primeira etapa da Film Commission vem de um decreto de 2023, que foi um primeiro trabalho que nós fizemos junto ao prefeito [de São José dos Campos] Anderson Farias, no sentido de vislumbrar a possibilidade do setor audiovisual ser um setor economicamente viável também.
A gente fez todo um trabalho ali e o prefeito Anderson fez esse decreto, criando a nossa Film Commission, unindo várias secretarias da prefeitura, porque não adianta só a Fundação Cultural Cassiano Ricardo, que é a responsável pelas políticas públicas da área da cultura, entender deste universo. Uma filmagem envolve várias secretarias.
Se você precisa fechar uma rua, você tem que ter a mobilidade urbana entendendo desse universo. Você está falando de economia criativa, você precisa ter inovação e desenvolvimento econômico entendendo deste universo. Se você quer trazer uma gravação para cá, às vezes você precisa de uma segurança, você precisa fechar uma rua, vai ter uma gravação de madrugada acontecendo. Então, a segurança pública precisa estar envolvida nesse sentido para entender que é importante dar esse suporte. Hoje nós temos várias secretarias da prefeitura envolvidas na Film Commission.
Num primeiro momento, os secretários. Na sequência, nós temos pontos focais dentro dessas secretarias, para quando chegar uma solicitação de uma gravação, que precisa fechar uma rua ou que precisa utilizar um parque, essas secretarias elas já têm esse ponto focal e acelera essa aprovação de filmagem, de gravação.
Então, nesse primeiro momento, é o entendimento do próprio setor público como um todo da importância desse setor estratégico, que é o cinema, que são as produções audiovisuais. Nesse primeiro momento, são envolvidos os secretários do poder público e nós, a Fundação, à frente disso.
É uma comissão que trabalha sob demanda?
Isso, exatamente. Nas secretarias, o fator principal é que elas já estão cientes de que temos uma Film Commission e de que queremos desenvolver esse setor dentro da cidade. Então, eles aceleram os processos. Agora, dentro da Fundação Cultural é a nossa área de comunicação que está à frente da Film Commission. Quando chegam essas demandas, é o setor que distribui dentro das secretarias para acelerar o processo de autorização.
Como aconteceu agora recentemente com duas produções da Globoplay, que tiveram uma série de solicitações de fechamento de rua, de autorização para filmar dentro de praças, tudo isso a gente, de forma muito ágil, em menos de três dias, já vem essa resposta e essa autorização para que essas produções acontecessem dentro da cidade, hoje essas produções cinematográficas, falando de grandes produções. Claro que a ideia é trabalhar com todos os portes, mas onde têm muitos recursos são as grandes produções.
Numa dessas produções, por exemplo, nós tínhamos em torno de 100 profissionais hospedados dentro da cidade, se alimentando na cidade, consumindo dentro da cidade. Então, essa movimentação da economia não só especificamente dentro da área do audiovisual, mas ela embarca aí uma série de fornecedores.
Quando você tem uma produção grande, ela se hospeda na rede de hotelaria de São José, ela vai se alimentar nos restaurantes, ou ela vai ter serviços de catering para camarim, ela vai ter serviço de locação de carro, enfim, envolve um universo muito grande essas produções, as grandes produções cinematográficas. Atrair essas produções é fundamental que você tenha agilidade nos processos de autorização para que elas ocorram. E também uma capacitação e qualificação para o setor como um todo.
A formação de profissionais em São José está no radar?
Em médio e longo prazo, a gente tem o intuito de trabalhar a formação também, essa qualificação do setor, seja do próprio setor do audiovisual, de profissionais como diretores, diretores de fotografia, produtores, cenógrafos, seja do setor de suporte também. Uma produção como essa, como uma produção cinematográfica, muitas vezes envolve a construção de figurino e de cenário, por exemplo. Então, você tem um suporte ali que vai precisar de costureiras para fazer esse figurino, você vai precisar de marceneiros para fazer esse cenário, enfim, envolve muita gente. Movem a economia de uma forma fantástica.
Envolve o setor, como eu coloquei, de hotelaria, de serviços, de locação de equipamentos, enfim. É gigante uma produção de grande porte. A gente acredita que vai movimentar muito a economia da cidade. Mas para isso você precisa ser uma cidade amiga das gravações, você precisa ter profissionais qualificados dentro da cidade.
Hoje a gente tem bons profissionais na cidade, que inclusive já trabalham com essas produções, o próprio [produtor] Marcelo Torres, que já tem um histórico gigante aí dentro da indústria cinematográfica, dentro das produções cinematográficas.
Você tem a Iara Cardoso, que vem produzir, que é uma cineasta daqui de São José e que vem produzindo uma série de documentários e filmes em plataformas como a Globoplay, por exemplo, com a ‘Era dos Humanos’, que é um documentário fantástico que está entre as maiores produções e vem ganhando prêmios no país e fora do país.
E você tem produtores que desenvolvem curtas metragens ou longas metragens aqui dentro da cidade. O pessoal do Cinema Fantástico, por exemplo, tem uma produção muito bonita sendo feita dentro da cidade, principalmente aqui na zona norte.
Então, você tem realizadores já desenvolvendo esses trabalhos, e agora pode ampliar com esses editais do Estado e do próprio Governo Federal, de estímulo a produções, a coproduções internacionais, inclusive. O Ministério da Cultura lançou agora editais de coprodução com Portugal, com o Uruguai. Então, essas produções vão acontecer dentro do país e porque não acontecer em São José dos Campos?
Tem que estar preparado para atrair, não é?
A partir do momento que a gente se prepara para receber essas produções e que temos gente qualificada para trabalhar nessas produções, ou aqueles que queiram, que não são profissionais e que queiram se profissionalizar, eles podem estar estagiando dentro dessas produções. Mas para isso a gente precisa desenvolver um trabalho dentro da cidade e é isso que a gente vem fazendo enquanto Fundação Cultural Cassiano Ricardo no eixo do audiovisual.
A gente quer trabalhar a formação, então a gente já vem num diálogo com o Sebrae, com programas do governo do estado, como o SP Cult Pro, para desenvolver essa formação aqui em São José dos Campos, seja do próprio profissional, do setor, desses serviços, que são utilizados quando se tem uma produção. Se o profissional tem experiência dessas grandes produções é fundamental. E o setor também.
Então, por exemplo, o setor de hotelaria. Você tem uma produção que vai acontecer de madrugada. Ah, vamos ter que fechar uma rua. Então, a gente acelera esse processo de autorização, a gente dá o suporte de segurança para que essa atividade aconteça na cidade, mas se ele está hospedado e o hotel serve o café da manhã das 7h às 10h, quando as 100 pessoas precisam que esse café seja servido às 2h da madrugada, porque eles vão sair para gravar a madrugada inteira.
Tem todo um trabalho que você desenvolve para ser uma cidade amiga de produções cinematográficas, e é isso que a gente vai desenvolver no decorrer dos meses.
Quando começou a operar a SJC Film Commission?
A SJC Film Commission tem pouco mais de dois meses. A gente lançou um site da Film Commission para que as pessoas entendam do que se trata e que possam se cadastrar. Há um formulário no nosso site, que é extremamente importante para que os profissionais e canais do setor, empresas de apoio, possam se cadastrar ali dentro desse site. Isso vai facilitar o desenvolvimento das políticas públicas.
Mapeando o setor, a gente consegue desenvolver uma política pública, como eu falei, no campo formativo também desse setor, esses profissionais e essas empresas de apoio também vão servir como base para que as produções possam acessar. Se eu tenho um cenógrafo na cidade, esses hotéis, essas empresas de apoio, enfim, tudo isso vai ficar disponibilizado para as produções, sejam elas locais ou externas. Então, é extremamente importante que você que tem interesse em fazer parte deste mercado, do mercado cinematográfico, dessa importante economia, que é a economia criativa, a economia do audiovisual, que se cadastre no site da Film Commission.
Qual o balanço desse início?
De lá para cá, a gente tem feito discussões com o setor, tivemos um bom encontro na semana passada com parte do setor. A gente quer dar continuidade a isso, a essa escuta. É importante que o setor dê sugestões. A gente está exatamente no momento de montar o planejamento estratégico da Film Commission e a gente quer montar isso junto com o setor, tanto o setor direto, que são os realizadores audiovisuais da cidade, como o setor indireto também, com essas empresas de apoio.
A gente vai desenvolver um seminário em julho e trazer importantes nomes da área do audiovisual, assim como trazer essa parte formativa também dentro desse seminário. Será realizado em parceria com o governo do Estado, a São Paulo State Film Commission, que é a comissão do Estado de São Paulo recém-criada também. Ela está mapeando as cidades e nós estamos dentro desse mapeamento. Ela vai dar um suporte para que a gente se desenvolva também. Eles estão dando visibilidade para São José dos Campos.
A gente já vem conversando com algumas produtoras de grande porte que querem trabalhar em longas metragens dentro da cidade, utilizando desse catálogo que a gente ofereceu. A gente criou um catálogo com cerca de 30 locações públicas que podem ser utilizadas para produções cinematográficas, sejam elas locais, do estado ou para essas coproduções internacionais. É um avanço a cidade ter esse catálogo digital com locações diversificadas, com paisagens urbanas, paisagens naturais, paisagens icônicas, paisagens históricas. Tudo isso tem aqui dentro de São José dos Campos. Tem São Francisco Xavier, Eugênio de Melo, nos nossos distritos.
Tudo isso já está catalogado. Isso é um facilitador para que essas produções aconteçam. Ali tem informações técnicas, o horário que o sol bate, como é que funciona, se tem bolsão de estacionamento, tudo isso está nesse catálogo.
Nós aceleramos esse processo de autorização da praça, de fechamento de rua. A gente acredita que é um potencial muito grande que pode ser desenvolvido na cidade, que vai atrair recursos de fora, que vai potencializar o setor de produção aqui da cidade, e tudo isso é política pública que a gente está desenvolvendo para o setor do audiovisual.
O poder público e a SJC Film Commission cobram algo pelos seus serviços? Há alguma taxa a ser paga?
A gente está nesse momento de formulação desse planejamento. Do ponto de vista para atrair produções ou para as próprias produções locais, a gente não cobra taxas. Mesmo porque tem cidades que oferecem, por exemplo, o cash rebate, tem até um retorno de incentivos fiscais para atrair essas produções, para que essas produções aconteçam. Então, o que a gente quer neste momento é viabilizar que a produção aconteça, ser uma cidade amiga para essas produções.
Agora, nesse processo todo, nessa montagem desse planejamento estratégico, a gente vai debater tanto mecanismos de fomento e estímulo para que essa produção venha, como para possíveis recursos para a cidade, por exemplo, com o setor de publicidade, que pode trazer recurso para a cidade para a própria sustentabilidade da Film Commission e desenvolvimento de ações de outras produções dentro da cidade.
Algumas empresas de publicidade gostariam de filmar no museu, por exemplo. A gente não tem isso regulamentado, fica sempre uma situação a debater, a discutir. O setor de publicidade tem interesse nessa regulamentação, no sentido de viabilizar que essas produções aconteçam. Então, a gente está discutindo isso.
E como vai funcionar?
Se você quer filmar uma publicidade dentro de uma locação pública, se tem sentido esse retorno econômico ali. Então, podem ser formas de gerar recursos dentro do setor. Mas tudo isso está em discussão, é uma discussão que é feita entre as várias secretarias, junto da própria sociedade civil, mas a gente acredita que isso também será outro passo para a Film Commission.
Neste momento, o que a gente quer é atrair e facilitar que essas produções aconteçam, porque já tem pesquisas da própria Netflix, por exemplo, que de cada R$ 1 investido em produções audiovisuais, tem um retorno para o poder público de R$ 3. Então, às vezes você não precisa ter o recurso direto ali, porque indiretamente ele vai entrando na cidade e vai movimentando a economia.
Nessas discussões todas, vocês estão ouvindo o pessoal do audiovisual de São José?
Olha, a gente fez uma primeira reunião agora, semana passada, foi muito boa, de entendimento que o setor tem sobre a Film Commission, de explicação, de como é que ela vai funcionar. Ela está nascendo agora, então tem muitas dúvidas em torno dela. Agora isso está sendo esclarecido. A gente vai fazer outros encontros com o setor, para que eles deem sugestões também, para que ela possa ser construída em conjunto.
Recentemente, o fechamento de parte de uma pista da ponte estaiada para imagens de uma campanha publicitária gerou críticas nas redes sociais. Isso mostra que o maior desafio será transformar São José em “cidade amiga do audiovisual”?
Sim, esse é outro fator da própria população entender a importância desse setor. Hoje você tem isso em outras cidades e outros países, principalmente onde a indústria cinematográfica está consolidada. O Brasil teve várias tentativas de consolidar a indústria no decorrer da história. Mas agora eu acho que a gente está nessa janela, o cinema brasileiro vem ganhando uma série de festivais e cada vez mais está mostrando, cada vez mais a gente tem dados de como o investimento no setor movimenta a economia, isso do ponto de vista econômico.
Do ponto de vista da cidade amiga, nessas indústrias já consolidadas, dentro dessas cidades e países já consolidados, as pessoas já entendem. Às vezes, eles fecham uma ponte durante um dia inteiro, as pessoas já sabem. Você pega Los Angeles, você pega onde você tem uma produção cinematográfica acontecendo diariamente ali, e a população já entende que aquilo é importante para cidade, aquilo é importante porque está movimentando a economia, está gerando emprego, o setor está sendo fomentado, a imagem da cidade está sendo projetada em filmes.
É um trabalho que tem que ser feito também junto à população, de entendimento do setor, de entendimento que isso vai trazer emprego para cidade. Você tem o turismo cinematográfico que é muito forte hoje no mundo. Você pega São Francisco Xavier, por exemplo, onde uma dessas produções aconteceu, você vê esse cenário na TV, numa série ou no cinema e você vai querer visitar aquele cenário. Poxa, foi nessa cachoeira que filmou tal filme, tal série. Então, você movimenta também não só no momento da gravação, mas você movimenta também no pós, depois que esse filme foi distribuído, foi apresentado, contado, você tem esse movimento desse turismo cinematográfico.
Muita gente viaja para conhecer paisagens que viu em filmes...
Agora recentemente no Rio de Janeiro, a Embratur lançou alguns dados de pesquisas de que, por exemplo, 44% dos americanos decidem o seu destino de viagem de férias depois de ver série ou filme, impulsionados pelo turismo cinematográfico. Um a cada quatro asiáticos decide também o seu destino depois de ver um filme ou série. Percebe-se que não é só a produção em si, mas que ela movimenta o turismo também, movimenta o setor de serviço, enfim, eu acredito que seja a economia do futuro, que é a economia criativa, que é essa que abarca muito setores, não só o audiovisual.
Quando a população começa a perceber isso, que está gerando emprego, que está movimentando a economia e que ela pode também entrar na questão do simbolismo, do significado, a cidade dela está sendo o cenário de um filme, o bairro que eu moro é cenário de um filme. Muitas vezes essas pessoas também vão participar de possíveis locações, de possíveis filmes, seja como figurante ou como elenco principal. Isso a gente vem conversando com as produções, no caso as externas, da importância de incluir profissionais da cidade, sejam eles atores, produtores, técnicos. Então, tudo isso engloba a Film Commission.
E quando se regulamenta isso fica mais claro, como o próprio fechamento de uma ponte estaiada, que gerou uma repercussão não muito positiva. Mas quando você deixa muito claro tudo que envolve essa produção, as pessoas vão ter outro entendimento. Eu tenho certeza disso. Sem dúvida, um ganha, ganha.