A procura por alívios às inexoráveis angústias e inseguranças do nosso viver movimentam o pensamento e o agir humano desde a Antiguidade. A perda, o rompimento, a nostalgia e o amor são alguns dos imanentes desafios da nossa vivência relacionados à busca de sobejos artefatos e alentos que atravessam os nossos contextos sócio-histórico-sociais para resistir à perecibilidade da existência, bem como às dores da falta e da dilacerante saudade.
Esse sentimento de vulnerabilidade similarmente evoca a noção da finitude discutida por Schopenhauer (1788-1860). O filósofo alemão concebia a vida como uma corrente contínua de sofrimentos interrompida somente pela morte. Em relação ao amor, pela ótica schopenhaueriana, trata-se de um sentimento de consolo momentâneo, mas concomitantemente paradoxal, pois revela a fragilidade da condição humana. Nesse sentido, o amor, na forma de uma profunda afeição, flerta com o desejo de transcendência. Contudo, ao mesmo tempo, reforça a aflição da possível e, às vezes, inevitável separação. Por conseguinte, a ausência coloca-nos face a face com a nossa irreversível natureza existencial transitória e efêmera.
Esse panorama igualmente ressoa na visão de Cida Bento, psicóloga e ativista brasileira, que aborda o afastamento e a solidão em um contexto de pertencimento coletivo. De acordo com Bento, as marcas do afeto e da memória conectam-se a uma herança comum e, ao lembrar da pessoa amada, o sujeito não está totalmente sozinho, pois traz consigo todo um “mundo de experiências e patrimônios” construídos coletivamente. São, portanto, inexoravelmente compartilhados. Por outro lado, Jean-Paul Sartre (1905-1980), escritor e filósofo francês, ao discorrer sobre o amor e a consciência da própria morte, destaca que a presença do “outro” suscita uma relação de simultânea necessidade e apreensão. Na esfera do amor, o ser humano deseja perpetuar um sentido partilhado para a existência, ao buscar no outro uma testemunha e um motivo de ser e viver. Sartre descreve esse processo como um desejo de integração na vida do outro, fenômeno que vai além do último beijo, adeus ou contemplação.
No mais, Bell hooks (1952-2021), ativista antirracista estadunidense, na irretocável obra Tudo sobre o amor: novas perspectivas, argumenta que amar é uma prática de resistência e de transformação social. Segundo hooks, o amor genuíno é aquele que não apenas conecta, mas que, ao ser experenciado profundamente, rompe com as forças desumanizadoras da sociedade, que normalmente transformam essa afeição em objeto de interesse, de poder e de mercantilização. Na contramão, a memória do amor, como nos ensina hooks, transforma-se em um ato de cura e de aprendizados sobre a própria humanidade, ao permitir que, no caso de partidas, o luto seja, de certa forma, uma extensão desse amor. Já Frantz Fanon (1925-1961), psiquiatra e filósofo político, por sua vez, oportuniza enfoques do amor e da memória no contexto da opressão e da luta por reconhecimento. O pensador da colônia francesa de Martinica discorre sobre o quanto a desumanização social pode comprometer a condição de amar e, ao mesmo tempo, de ser amado. Conforme Fanon explicita, a bagagem colonial, por exemplo, gera feridas profundas no ser humano que, mesmo após as viscerais despedidas, continuam a ressoar. Essas chagas meramente trazem a memória de um amor que sobrevive, mas o faz com o peso do tempo vivido, das lutas e dos momentos socializados. Essas ocasiões são, na verdade, testemunhas silenciosas de existências marcadas por desafios próprios de seu universo circunstancial.
Assim, o amor transcende a dimensão puramente afetiva e se torna uma ação de resistência simbólica contra o dilema existencial, ou seja, uma resposta às idiossincrasias da efemeridade. Diante das forças que ameaçam apagar a presença daqueles que amamos, o amor emerge não unicamente como uma celebração, mas como uma negação ao esquecimento, além da insistência em manter viva a essência de quem partiu. Esse movimento, a morte ou a descontinuidade, deixa de ser o ponto final e se transforma em um impulso para recordar, tal e qual para revisitar compaixões desfrutadas e tentar compreender e viver o sentido do amor. O amor, nesse contexto, torna-se uma atividade transformadora e de resistência. Em vez de resignar-se ao apagamento, esse sentimento marcadamente humano desafia o abandono e se firma como dimensões de continuidade, onde o passado, o presente e o futuro se amalgamam em uma narrativa resistente perene. O amor como uma potência de resistir, então, é a decisão de preservar o que foi construído, assim como de valorizar os vínculos coletivos vividos que marcam nossa trajetória nas bandas de cá. Nesse sentido, essa incolumidade, de algum modo, pode aliviar os nossos desassossegos no que diz respeito às partidas, às rupturas e às reminiscências.
Ademais, ao sensivelmente evocar as sutilezas semânticas, estilísticas e linguísticas, em adição aos encantos do poema À Carolina, homenagem à sua amada esposa com quem viveu 35 anos, o eu lírico de Machado de Assis (1839-1908), o maior expoente da literatura brasileira, da mesma maneira, esperançadamente acalma as nossas inquietações. Entoa o mais excepcional contista da língua portuguesa: “Querida, ao pé do leito derradeiro/Em que descansas dessa longa vida,/ Aqui venho e virei, pobre querida,/Trazer-te o coração do companheiro./Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro/Que, a despeito de toda a humana lida/Fez a nossa existência apetecida/E num recanto pôs um mundo inteiro./ Trago-te flores, - restos arrancados/Da terra que nos viu passar unidos/E ora mortos nos deixa e separados./Que eu, se tenho nos olhos malferidos/Pensamentos de vida formulados,/São pensamentos idos e vividos”.
*Membro da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é docente da Universidade de Taubaté e da FATEC-Taubaté. Também é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e na PUCSP.