27 de dezembro de 2024
POLÍTICA

Golpismo de Bolsonaro e crises na segurança silenciam Tarcísio

Por Victória Cócolo e Carolina Linhares | da Folhapress
| Tempo de leitura: 5 min
Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) tem evitado falar com a imprensa sobre recentes assuntos polêmicos

Com seu padrinho Jair Bolsonaro (PL) indiciado pela Polícia Federal na investigação da trama golpista e enfrentando sucessivas crises na segurança pública, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) tem evitado falar com a imprensa sobre esses assuntos.

Tido como sucessor do ex-presidente, que está inelegível, e possível candidato à Presidência da República em 2026, o governador não detalhou o que pensa sobre a apuração da PF segundo a qual Bolsonaro planejou, atuou e teve domínio sobre o plano de golpe.

Na quarta (27), o UOL revelou que Tarcísio esteve no Palácio da Alvorada na tarde de 19 de novembro de 2022, quando Filipe Martins discutiu com Bolsonaro a minuta de golpe, segundo a PF. A assessoria do governador afirma que ele visitou Bolsonaro, mas que não esteve na reunião com Martins.

No dia seguinte à revelação, Tarcísio participou do leilão de concessão da Nova Raposo, mas mais uma vez deixou o local sem atender a jornalistas.

Apesar de ter defendido Bolsonaro por meio de um post nas redes sociais, Tarcísio não comentou, por exemplo, informações trazidas à tona pelo relatório final do inquérito da PF, tornado público na terça-feira (26). A PF afirma, por exemplo, que o ex-presidente tinha conhecimento de um plano para matar Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Presente na inauguração de uma metalúrgica em Mogi Guaçu (SP) na manhã da quarta-feira, Tarcísio foi questionado por jornalistas sobre o relatório da PF. No entanto, ele se recusou a responder, e a entrevista à imprensa foi encerrada em seguida.

Na sexta (29), Tarcísio esteve em um evento com Lula, no Palácio do Planalto, para anunciar investimentos em obras de infraestrutura e tampouco falou com a imprensa em Brasília. Enquanto ministros do governo federal discursaram contra a tentativa de golpe e exaltaram a democracia, o governador não mencionou o inquérito da PF e elogiou a parceria nas obras.

Políticos que convivem com Tarcísio lembram que ele construiu uma relação próxima com Moraes, que atua no cerco ao ex-presidente, e que é aconselhado por Gilberto Kassab (PSD), outro nome que evita o embate entre os Poderes, o que explicaria a posição do governador de submergir.

Aliados afirmam que o mandatário tem priorizado uma agenda positiva e quer evitar polêmicas. Para eles, não há vantagens em Tarcísio se manifestar, já que qualquer declaração pode servir a ataques da ala mais bolsonarista da direita ou da oposição.

Na opinião de parlamentares bolsonaristas, Tarcísio quer se preservar para o pleito de 2026 e mostrar ao eleitor de centro que não é golpista. Ao mesmo tempo, como afilhado político, deveria fazer uma defesa mais enfática do ex-presidente e, diante da situação delicada, prefere se abster.

Os deputados mais radicais dizem acreditar que Tarcísio, de forma reservada, tem discordâncias ideológicas com Bolsonaro apesar de ser fiel a ele. Ainda segundo os bolsonaristas, Tarcísio é hoje o candidato do sistema para enfrentar Lula e, por isso, precisa manter uma imagem de ponderado.

Tarcísio tem preferido se manifestar por escrito. Na semana passada, após o indiciamento do ex-presidente, afirmou que "há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas".

"É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa", diz o post com distorções e omissões sobre o golpismo bolsonarista.

Tarcísio tem mantido o silêncio desde o fim das eleições municipais. Naquele momento, evitava repercutir a declaração que deu no dia da votação do segundo turno sem apresentar provas --de que a facção criminosa PCC teria orientado voto em Guilherme Boulos (PSOL).

Aliados dizem que acreditar o governador queira esperar a poeira baixar, mas os acontecimentos do último mês têm dificultado a estratégia.

Duas semanas após a declaração que rendeu a Tarcísio uma queixa-crime no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) --já arquivada--, o governo voltou ao centro das atenções depois que o delator Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, que estava na mira do PCC, foi assassinado no aeroporto de Guarulhos.

Outros casos envolvendo a Polícia Militar, comandada pelo governador, geraram pressão e cobrança por explicações --a morte de Ryan da Silva Andrade Santos, 4, atingido por disparos em Santos (SP), e de um estudante de medicina baleado por um policial na Vila Mariana, além da prisão de um capitão da PM em uma operação contra lavagem de dinheiro.

Questionado pela imprensa, o governador defendeu punição para o policial preso. Sobre o caso do estudante, ele chegou a se manifestar nas redes sociais, afirmando que abusos policiais não serão tolerados.

Já a morte de Ryan não foi comentada. Dois dias após o assassinato, Tarcísio teceu elogios a Guilherme Derrite, secretário da Segurança Pública, em um evento de onde saiu sem responder a jornalistas.

A frase "hoje não", acompanhada de sinais negativos com a cabeça e as mãos, tem se tornado hábito do governador em agendas com a imprensa, para deixar claro que não dará entrevista, até nas ocasiões em que o espaço físico dificulta a manobra de escape.

Na 55ª convenção da Conib (Confederação Israelita do Brasil), no Clube Hebraica, no último dia 23, o governador precisou atravessar um cordão de repórteres na entrada do evento. Mais uma vez, ele se limitou ao sinal negativo e ao pedido de licença para abrir passagem.

Em novembro, Tarcísio compareceu a ao menos 14 eventos públicos. Entre eles, esteve cinco vezes na Bolsa de Valores B3, no centro da capital, para realizar leilões. Fez breves falas, mas não respondeu a perguntas dos repórteres.

Dois desses eventos, o leilão da Nova Raposo e as inaugurações em Mogi Guaçu, ocorreram depois da divulgação do relatório da PF sobre o golpe.

Para o cientista político Cláudio Couto, Tarcísio "deve lealdade" ao ex-presidente, já que Bolsonaro foi seu cabo eleitoral quando disputou o Governo de São Paulo.

"Ele precisa dar demonstrações seguidas de lealdade porque, se não fizer isso, não vai conseguir se viabilizar politicamente neste campo no futuro. O terreno fica aberto para ele, mas Tarcísio não pode até lá simplesmente trair esse movimento do qual veio. Ele pode ficar dizendo que nada foi bem assim ou evitar declarações", afirma Couto.