13 de setembro de 2024
REDE DE ENSINO

MP e Defensoria apontam censura em recolhimento de livro em SJC

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução
Juíza Flávia Martins segura o livro escrito por ela e que foi retirado das escolas de São José

O Ministério Público e a Defensoria Pública de São Paulo ingressaram com uma ação civil pública na Justiça para garantir o retorno do livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas” às salas de leitura da rede municipal de ensino de São José dos Campos.

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Na ação, os órgãos afirmam que a retirada do livro foi motivada exclusivamente por “questões político-ideológicas”, configurando “ato de censura”, o que afetou diretamente todas as crianças e adolescentes da rede de ensino da cidade, além da “qualidade da educação, a formação crítica dos estudantes, a construção de uma sociedade pluralista, o princípio da autonomia escolar e a gestão democrática do ensino”.

A obra foi recolhida em 12 de junho após o vereador Thomaz Henrique (PL), durante sessão da Câmara, em 11 de junho, dizer que haveria na publicação apologia ao aborto e doutrinação ideológica.

Na ocasião, ele citou referências à antropóloga Débora Diniz e à socióloga e ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, ambas retratadas no livro.

Escrito pela juíza Flávia Martins de Carvalho e lançado em julho de 2022, o livro usa poesias e textos para homenagear 20 mulheres com histórias inspiradoras, de sucesso e superação. Assim como a autora, a maioria das mulheres mencionadas são negras e brasileiras.

Após a reclamação de Thomaz Henrique, o livro foi recolhido das salas de leitura das escolas municipais por determinação da prefeitura, que informou que o conteúdo iria ser “reavaliado pela equipe técnica da Secretaria de Educação e Cidadania”.

Ação civil.

A ação civil pública é assinada por três promotores e três defensores públicos que atuam em São José dos Campos e foi direcionada à Vara da Infância e da Juventude. Nela, os agentes apontam que o recolhimento do livro foi “determinado às pressas”, por mensagem de aplicativo WhatsApp, após Thomaz Henrique assegurar que o livro seria impróprio para crianças “sem qualquer base científica ou legal”.

O texto da ação classifica o episódio como “despropositado” e que teve “viés político” como seu principal fundamento, “desprovido de qualquer preocupação estritamente técnico-educacional”.

Tanto o MP quanto a Defensoria Pública expediram ofícios à Prefeitura de São José pedindo esclarecimentos sobre a retirada do livro, mas os documentos ficaram sem resposta. Os órgãos recomendaram a retomada da obra nas salas de leitura, o que não foi acatado pela administração municipal.

“Fica claro que, agindo por motivos escusos, o Município retirou abruptamente o livro das salas de leitura e, quase três meses depois, desconsiderando a opinião dos professores e o parecer da equipe pedagógica, decidiu que ele só poderia ser utilizado apenas pelos alunos da “Educação de Jovens e Adultos” (na faixa etária acima dos 15 anos de idade e em número bem mais restrito do que aqueles matriculados no ensino regular)”, diz a ação civil.

Sobre o apontamento do vereador do PL de que o livro aborda “direitos reprodutivos”, o MP e a Defensoria disseram que é “completamente descabido”, uma vez que “não há aprofundamento do tema, mencionado uma única vez no decorrer de toda a obra e apenas para retratar uma das bandeiras da cientista Débora Diniz”. Os agentes ainda dizem que direitos reprodutivos não devem ser confundidos com aborto.

“Cumpre ressaltar que, conforme já exposto, a recomendação do livro, segundo a editora, é a partir de 03 anos de idade e a própria apresentação dos capítulos evidencia que seu destinatário principal é o público infanto-juvenil”, completa o texto da ação.

Por fim, o MP e a Defensoria pedem que a Justiça defira liminar para que a obra volte às escolas em cinco dias e pede multa diária de R$ 15 mil por dia de atraso – os órgãos apontam que cerca de 15 mil alunos da rede foram prejudicados pela retirada da obra.

Os órgãos também pedem que a prefeitura seja condenada a pagar R$ 150 mil, a título de danos morais coletivos, valor que deverá ser recolhido ao Fumdicad (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e dos Adolescentes de São José dos Campos).

Procurada sobre a ação, a Prefeitura de São José dos Campos disse que vai se manifestar no processo após ser notificada pela Justiça.