21 de dezembro de 2024
HÉLCIO COSTA

'Algo deve mudar para que tudo continue na mesma'

Por Hélcio Costa | Jornalista
| Tempo de leitura: 3 min
Divulgação
'Algo deve mudar para que tudo continue na mesma'

O que surge da união entre um texto brilhante, um diretor genial e três atores em seu melhor momento? Ora, a resposta é fácil: surge uma obra-prima.

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Dias atrás, para refrescar a cabeça do corre-corre da política, resolvi rever, de madrugada, um clássico do cinema italiano, “O Leopardo”, do diretor Luchino Visconti, baseado em um livro de Giuseppe Di Lampedusa (“Il Gattopardo”, no original). Incrível: me surpreendo a cada vez que revejo essa obra-prima, descobrindo, aqui e ali, novas nuances, detalhes que não havia notado, olhares e expressões que passaram despercebidos. “O Leopardo” trata da decadência da aristocracia italiana, mais especificamente, da Sicília, no final do século 19, em plena época da unificação do país. Na tela, Burt Lancaster, Cláudia Cardinali e Alain Delon, símbolos do cinema  de tempos atrás. Para quem não conhece, recomendo. É cinema puro.

Eu disse que resolvi rever Visconti para refrescar a cabeça? Ledo engano. Na verdade, cai em uma armadilha do meu inconsciente.

Explico: dias atrás escrevi um artigo perguntando sobre o que difere hoje, de fato, os grupos políticos formados por Eduardo Cury (PL) e Emanuel Fernandes (PSDB), de um lado, e, do outro, por Anderson Farias e Felício Ramuth (ambos do PSD)? Grupos, sempre é bom lembrar, que até tempos atrás eram um só, abrigado no PSDB. No texto, disse que a grande questão que se impõe a ambos os lados nestas eleições é uma só: demonstrar ao eleitor no que, afinal, eles são diferentes? “Por que Cury e não Anderson? Por que Anderson e não Cury?”, perguntei. Para mim e para muita gente, sem isso ficar claro, acaba parecendo que a eleição é apenas e tão somente uma briga pelo poder entre “gatos” do mesmo saco. Será? Olha, tem muito do DNA de Cury e Emanuel em Anderson e Felício. Afinal, não custa nada lembrar, quem era Felício senão um “azarão” na eleição de 2016 até ser “ungido” pela dupla de então “cardeais” do PSDB?

Aí entra Lampedusa, pelas lentes de Visconti, trazidos à baila, ambos, pelas armadilhas do meu inconsciente, em plena madrugada de sábado, 7 de Setembro.

Em um trecho de “O Leopardo”, que retrata a efervescência política na Itália do século 19, uma frase dita por um dos personagens dá a pista de como, estrategicamente, enfrentar mudanças, desafios e crises para extrair delas a própria sobrevivência, seja como pessoa, classe ou grupo. “Algo deve mudar para que tudo continue na mesma”, diz, a certa altura, o personagem Tancredi Falconeri, vivido por Alain Delon (morto dias atrás, aos 88 anos). O que isso quer dizer? Ora, que é fundamental saber como agir em momentos de turbulência, principalmente na política, onde poder é a força motriz. Ou, na trama de Lampedusa, frente às mudanças trazidas pelo “Risorgimento”, no embate entre a nostalgia do passado e a chegada, transformadora, do futuro, a aristocracia e a burguesia que surge se unem em novo arranjo de classes --não tão favorável à primeira, mas, capaz de assegurar privilégios. É uma aula de “real politik”.

A eleição de São José dos Campos, nesse embate entre ex-aliados, terá se transformado em um enredo de Lampedusa?

Se não ficar claro, afinal, o que difere a “turma da rua de cima” da “turma da rua de baixo”, temo que sim. É o que tenho ouvido de muita gente pelas ruas, onde, já dizia Vinícius de Moraes, a realidade sabe mais que a imaginação.

Valeu a pena reviver Visconti. “O Leopardo”, o filme, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes em 1963. Merecido. É a obra-prima de um cineasta ímpar, que vale a pena conhecer, com seus planos amplos, personagens marcantes, temática dilacerante, mas, sempre sutil. Sua obra é extensa: lembro de “Morte em Veneza”, “Rocco e seus Irmãos”, “Os Deuses Malditos”, “Ludwig”, “Noites Brancas”, “Vagas Estrelas da Ursa”, “O Estrangeiro” e um dos meus preferidos, “A Terra Treme”, de 1943, que, como “O Leopardo”, trata da transformação social, nem sempre visível aos olhos de quem a enfrenta, mas sempre inevitável.

Segue o baile ...