29 de novembro de 2024
CONSULTORIA

Empresa de Cury recebeu R$ 300 mil do PSDB em intervalo de um ano

Por Julio Codazzi | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 5 min
Divulgação
Cury abriu a empresa no fim de março de 2023

Uma empresa do ex-prefeito de São José dos Campos e ex-deputado federal Eduardo Cury (PL) recebeu R$ 300 mil do PSDB em um intervalo de 12 meses, entre 2023 e 2024.

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Os pagamentos, divididos em 12 parcelas de R$ 25 mil, foram feitos para uma empresa de consultoria criada por Cury no dia 29 de março de 2023, menos de dois meses após o fim do mandato como deputado, que se deu em 31 de janeiro do ano passado - como parlamentar, o então tucano recebia salário de R$ 33,7 mil por mês.

A empresa de Cury, a Zahle Consultoria, foi contratada pelo PSDB nacional cinco dias após ser constituída. O contrato vigorou de 3 de abril de 2023 a 2 de abril de 2024. Dois dias após o fim da parceria, em 4 de abril, o ex-deputado trocou o PSDB pelo PL. Pelo novo partido, Cury deve concorrer à Prefeitura de São José, que já comandou de 2005 a 2012. O candidato a vice-prefeito deve ser indicado pelos tucanos. Cury e o PSDB negam qualquer irregularidade no contrato.

A EMPRESA.

A sede da Zahle fica na casa de Cury, em um condomínio fechado no Jardim das Colinas, na região oeste da cidade. Entre os serviços prestados, segundo o registro na Junta Comercial, estão atividades de consultoria, marketing direto, pesquisas de mercado e de opinião pública, além de serviços combinados de escritório e apoio administrativo.

Dias antes de abrir a Zahle, Cury havia sido nomeado assessor parlamentar no gabinete da oposição no Senado, que tem como líder o senador Rogério Marinho (PL-RN) - pelo cargo, o ex-prefeito recebe atualmente R$ 28,5 mil por mês.

Como o Estatuto do Servidor proíbe que um funcionário público federal administre uma empresa, Cury consta apenas como sócio da Zahle, com participação de R$ 19 mil (de um capital total de R$ 20 mil). Como sócia-administradora foi constituída uma das três filhas dele, Lorena Dalla Torre Cury, com participação de R$ 1.000 - ela é estudante de Medicina.

PARTIDO.

O contrato com o PSDB previa que a Zahle prestaria "serviços de consultoria política e estratégica destinada ao reposicionamento do contratante [o PSDB] no cenário político brasileiro, por meio de participação de reuniões políticas, encontros, seminários e assemelhados, as quais têm por foco aprimorar as ações partidárias".

Mensalmente, a Zahle produziu relatórios para o partido, nos quais narrava contatos presenciais e virtuais com lideranças regionais tucanas para "detectar fragilidades do PSDB" na região. Tanto os relatórios quanto o contrato foram assinados por Lorena.

Todos esses documentos foram apresentados pelo PSDB na prestação de contas que a legenda é obrigada a fazer à Justiça Eleitoral, já que a sigla recebe recursos públicos por meio do fundo partidário e do fundo eleitoral.

OUTROS CONTRATOS.

Segundo apuração de OVALE, a Zahle chegou a ser contratada por outras duas empresas nesse intervalo. Uma delas foi a Quilômetro 20 Integração e Estratégia Criativa, que tem sede em São Paulo e pertence a Duda Lima, homem de confiança de Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL. Duda Lima foi o marqueteiro da campanha à reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 e esse ano atua na pré-campanha à reeleição do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB). A reportagem apurou que, da Quilômetro 20, a Zahle recebeu R$ 180 mil de maio a setembro de 2023, divididos em seis pagamentos de R$ 30 mil cada.

A outra empresa que contratou os serviços da Zahle foi a Puxe Comunicação, também da capital, que presta serviço para prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro. Da Puxe, segundo apuração da reportagem, a Zahle teria recebido R$ 240 mil de novembro de 2023 a junho de 2024, divididos em oito pagamentos de R$ 30 mil cada.

Ou seja, somando os contratos com o PSDB, a Quilômetro 20 e a Puxe, que vigoraram de abril de 2023 a junho de 2024, a Zahle recebeu R$ 720 mil nesse período.

POSICIONAMENTOS.

Procurado pela reportagem, Cury afirmou que decidiu abrir a empresa após receber consultas de interessados em seus serviços. "Acumulei conhecimentos em minhas experiências ao longo de 38 anos como engenheiro, empresário e gestor público. Ao final de meu último mandato como deputado federal, fui procurado por entidades e empresas interessadas em meus serviços e, como tinha disponibilidade na época, decidi abrir uma empresa de consultoria, como tornei público em algumas entrevistas concedidas na época".

O ex-prefeito negou qualquer irregularidade nas atividades da Zahle e na constituição da filha como sócia-administradora da empresa. "Pedi à minha filha que transferiu sua faculdade para São José que se tornasse minha sócia para me ajudar cuidando das questões administrativas desta empresa, o que é absolutamente legal", disse. "Sei que isso pode desapontar alguns adversários políticos, mas tudo foi feito conforme manda a lei. A empresa, aliás, está regularmente registrada e com todas as suas obrigações e impostos em dia", acrescentou.

Cury se negou, no entanto, a detalhar quais serviços a Zahle teria prestado para a Quilômetro 20 e para a Puxe Comunicação. "Por questões éticas e legais, a empresa não pode abordar questões relacionadas a nenhum cliente em específico", respondeu.

O PSDB alegou que "não há qualquer irregularidade no vínculo que o partido teve com a empresa Zahle Consultoria", que "os serviços foram prestados e os relatórios foram devidamente entregues ao Tribunal Superior Eleitoral".

A Puxe Comunicação também não quis detalhar que serviços teria contratado da Zahle. "Diante das suas obrigações legais e dever profissional de sigilo, confidencialidade e compliance, [a Puxe] se vê impedida de prestar qualquer informação a respeito de seus clientes, fornecedores e contratações de terceiros, notada e especificamente nas suas relações comerciais de cunho exclusivamente privado".

A Quilômetro 20 não retornou às tentativas de contato de OVALE.