16 de julho de 2024
DEBATE SOBRE ABORTO

PL 1904: Retrocesso inaceitável na luta pelo direito da Mulher

Por Fabrício Correia | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Presidente da Academia Joseense de Letras
Reprodução/Agência Brasil
Protesto contra o PL 1904

A recente decisão da Câmara dos Deputados de aprovar em regime de urgência o projeto de lei que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas a crimes de homicídio representa um lamentável retrocesso na proteção dos direitos das mulheres. Este projeto, caso seja sancionado, instaurará um cenário de injustiça e crueldade ao impor penas severas às mulheres vítimas de estupro que interromperem a gravidez após 22 semanas.

A legislação atual brasileira já é restritiva, considerando o aborto um crime, com penas que variam de um a três anos. No entanto, há exceções para casos de anencefalia, gravidez resultante de estupro ou risco de vida para a gestante. A nova proposta, que equipara o aborto tardio ao homicídio simples, com penas de 6 a 20 anos de reclusão, é desproporcional e cruel. Criminalizar mulheres que, após 22 semanas de gestação resultante de um estupro, decidem interromper a gravidez com penas mais severas que as aplicadas aos estupradores é uma afronta à justiça e à dignidade humana.

Essa insanidade legislativa afeta de maneira ainda mais cruel meninas de até 13 anos, que são as principais vítimas de estupro no Brasil. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que essas crianças, muitas vezes, descobrem a gravidez tardiamente devido à complexidade e ao sigilo do abuso. Penalizá-las por buscar um aborto é uma violação adicional aos seus direitos já profundamente fragilizados. Ao invés de punir, o Estado deveria oferecer proteção, acolhimento e cuidado. A gravidez precoce aumenta os riscos de mortalidade materna e neonatal, impacta a continuidade escolar, perpetua a pobreza e exacerba a violência doméstica.

A aprovação do regime de urgência para este projeto ocorreu de forma desleal e obscura, num expediente conduzido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A votação, que durou meros 23 segundos, foi realizada sem aviso prévio e sem anúncio claro do número do projeto. Lira solicitou orientação de bancada para o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que não respondeu, e declarou a urgência aprovada em votação simbólica, sem registro dos votos no painel eletrônico. Este procedimento antiético e antidemocrático desrespeita o devido processo legislativo e atenta de forma direcional contra os direitos das mulheres.

No cenário global, os direitos reprodutivos das mulheres têm avançado, com a legalização e descriminalização do aborto em diversos países. Irlanda, Argentina e México revisaram recentemente suas leis, ampliando o direito ao aborto e reconhecendo a autonomia das mulheres sobre seus corpos. Estes avanços são celebrados como marcos de progresso social e justiça.

Em contraste, a situação no Brasil reflete um retrocesso alarmante. Equiparar o aborto a homicídio, especialmente em casos de estupro, não apenas nega os direitos básicos das mulheres, mas as submete a um sofrimento desnecessário e cruel. Esta postura coloca o Brasil na contramão dos direitos humanos e das tendências internacionais que visam proteger e respeitar a saúde reprodutiva das mulheres.

A equiparação do aborto a homicídio após 22 semanas de gestação, especialmente em casos de estupro, é um retrocesso inaceitável. Penalizar severamente as mulheres que já sofreram uma violência indescritível é uma afronta à justiça e aos direitos humanos. É imperativo que lutemos contra esta legislação, protegendo as mulheres e meninas do Brasil de mais um ato de violência institucional. Criança não é mãe. Estuprador não é pai. A justiça deve estar a serviço do bem comum e da proteção dos mais vulneráveis, e não de sua penalização.

Para avançarmos na luta pela igualdade de gênero e pelos direitos humanos, é fundamental que medidas como esta sejam amplamente denunciadas e combatidas. Precisamos de um esforço conjunto da sociedade civil, organizações de direitos humanos e legisladores comprometidos com a justiça social para garantir que as mulheres sejam protegidas e que seus direitos reprodutivos sejam respeitados.

* Fabrício Correia é escritor, historiador e professor universitário com especialização em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão pela Unise Educacional. Preside a Academia Joseense de Letras.