06 de outubro de 2024
POLÊMICA EM SJC

Censura: O que retirada do livro “Meninas Sonhadoras' representa?

Por Fabrício Correia |
| Tempo de leitura: 3 min
Presidente da Academia Joseense de Letras
Reprodução
Após cobrança de vereador, prefeitura retirou livros das escolas

A recente decisão da Prefeitura de São José dos Campos de recolher o livro "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas" das salas de leitura das escolas municipais é profundamente preocupante. Esta ação é um ataque direto à liberdade de expressão e ao direito à educação, uma tentativa deplorável de silenciar vozes essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

O livro, escrito pela juíza Flávia Martins de Carvalho, é uma obra de inestimável valor educacional e cultural. Ele narra as histórias de 20 pesquisadoras que romperam barreiras históricas e alcançaram posições que, por muito tempo, foram restritas aos homens. Muitas das mulheres mencionadas no livro, assim como a autora, são negras e brasileiras, incluindo a vereadora Marielle Franco, cuja luta por igualdade e justiça social serve como um exemplo inspirador para todos.

A alegação de que o livro precisa ser reavaliado por sua "relevância" e "conteúdo" é uma desculpa frágil e dissimulada. A verdadeira motivação por trás dessa decisão parece ser política e ideológica, refletindo um medo irracional de discussões sobre empoderamento feminino, educação antirracista e inclusão social. Ao censurar esta obra, a administração municipal desrespeita o trabalho árduo e a coragem dessas mulheres, além de privar os estudantes de exemplos positivos e inspiradores que podem motivá-los a superar as adversidades.

A atitude do vereador Thomaz Henrique, ao questionar a presença do livro nas escolas e associar sua retirada a figuras públicas como Débora Diniz, revela uma compreensão superficial e preconceituosa sobre o papel da educação. A escola é um espaço de aprendizagem e debate, onde diferentes pontos de vista devem ser apresentados e discutidos. Impedir o acesso a um livro que promove a igualdade e a representatividade é uma forma de autoritarismo que não condiz com os valores democráticos que nossa sociedade preza e que o governo Anderson Farias representa.

Importante destacar que a adequação do livro "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas" para a faixa etária escolar é confirmada pelas editoras e especialistas na área. Classificado como infanto-juvenil, o livro é recomendado para crianças a partir de três anos, com conteúdo acessível e inspirador para jovens estudantes. Ele utiliza poesias sensíveis e profundas para celebrar e homenagear a vida de mulheres inspiradoras e corajosas, tornando-se um recurso valioso no desenvolvimento de uma consciência social e cultural desde cedo (Editora Mostarda, Geledés).

Ao longo da história, já testemunhamos as terríveis consequências da censura. Episódios como a queima de livros durante o regime nazista na Alemanha são exemplos sombrios de como a supressão do conhecimento e da expressão pode levar a sociedades intolerantes e autoritárias. Livros e bibliotecas públicas são pilares fundamentais da democracia, oferecendo acesso ao conhecimento, promovendo a liberdade de pensamento e estimulando o debate crítico.

A censura nunca deve ser a resposta para o progresso social; pelo contrário, ela nos empurra para a ignorância e a intolerância. É fundamental que nos levantemos contra qualquer forma de censura e defendamos o direito de nossos jovens a uma educação completa e enriquecedora, que inclua a celebração de figuras históricas importantes como Marielle Franco. A retirada de um livro que celebra o empoderamento feminino e a diversidade é um retrocesso inaceitável.

Portanto, faço um apelo à Prefeitura de São José dos Campos: que reveja esta decisão e devolva às escolas o livro "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas". Permitir que nossas crianças e adolescentes tenham acesso a histórias que lhes mostrem que, independentemente de sua origem ou cor da pele, eles também podem sonhar e alcançar grandes feitos, é crucial. Somente assim podemos construir uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.

* Fabrício Correia preside a Academia Joseense de Letras. Ele é escritor, com obras na literatura infanto-juvenil, professor universitário com especialização em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. Integra a União Brasileira dos Escritores.