01 de dezembro de 2024
OPINIÃO

A objetificação judicial de Regina Gonçalves é o espelho da nossa sociedade

Por Fabrício Correa | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução
A socialite Regina Gonçalves

A história de Regina Gonçalves, emergindo entre as linhas de batalhas judiciais e relatos de cárcere, reflete uma verdade mais profunda e sombria sobre nossa sociedade. Aos 88 anos, esta socialite de renome, no Rio de Janeiro, encontra-se no olho de um furacão que mistura acusações de manipulação, roubo de bens preciosos e uma disputa desesperada por tutela. Mas, no fundo, sua saga é o espelho de uma realidade enfrentada por inúmeros idosos em nosso país e em todo o mundo, que, na fragilidade de seus anos crepusculares, se veem envoltos em redes de ganância e deslealdade.

O caso de Regina é especialmente poético em sua tristeza. De volta ao seu apartamento no Chopin, em Copacabana, após decisões judiciais conflitantes, carrega consigo não apenas o peso dos anos, mas o fardo de ser um troféu em uma guerra entre aqueles que deveriam ser seus protetores. A justiça decidiu que José Marcos Chaves Ribeiro, o homem que ela nega ser seu marido e que alegadamente a explorou, deverá ser seu tutor legal. Esta decisão vem na esteira de relatos de que Marcos, outrora seu motorista, se aproveitou de sua debilidade presumida para se apropriar de joias e economias que Regina, com diligência e prudência, acumulou ao longo de décadas.

Em seu relato à imprensa, a fina dama falou de agressões não físicas, mas profundamente prejudiciais — gritos, empurrões, e a subtração de itens de valor inestimável. Este é um cenário que muitos idosos conhecem bem, onde a violência não deixa marcas visíveis, mas cicatrizes profundas na alma. Segundo peritos, Regina é "suscetível à manipulação e à implementação de falsas memórias", uma condição que coloca em xeque sua autonomia e a veracidade de sua voz.

Neste contexto, o que é verdadeiramente alarmante é a facilidade com que a dignidade dos mais velhos pode ser usurpada, frequentemente ocultada por trás das cortinas pesadas de legalismos e procedimentos judiciais. A disputa pelo patrimônio de Regina, embora mascarada de preocupação, muitas vezes revela uma corrida desenfreada pela apropriação de bens. Esta realidade é um sintoma de uma doença societal mais ampla: a objetificação dos idosos, vistos como meros veículos de transmissão de riqueza, e não como indivíduos com desejos, necessidades e direitos próprios.

Como sociedade, devemos questionar nossos valores e o tratamento que dispensamos àqueles no outono de suas vidas. As leis podem oferecer alguma proteção, mas o cerne da questão reside no respeito e na empatia que estendemos aos nossos anciãos. A história de Regina não é apenas uma notícia; é um testamento da nossa capacidade coletiva de fazer melhor, de cuidar verdadeiramente e de proteger aqueles que, após uma vida inteira de contribuições, merecem nada menos que paz e respeito em seus dias finais.

Em cada decisão judicial, em cada visita de um cuidador, em cada assinatura em um documento legal, ecoa a pergunta: estamos cuidando dos nossos idosos ou simplesmente administrando seus bens? A resposta, tristemente, pode não ser a que esperamos, mas é certamente a que precisamos enfrentar.

Fabrício Correia é professor universitário com especialização em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão, musicoterapeuta e escritor. Preside a Academia Joseense de Letras.