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17 de maio de 2024

PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Ergplan recorre ao STF contra decisão que obriga preservação da Casas Pias, em Taubaté

Decisões de primeira e segunda instâncias obrigam Prefeitura e construtora a adotarem todas as providências necessárias para a preservação e restauração do imóvel centenário

Por Julio Codazzi
Taubaté

19/04/2024 - Tempo de leitura: 5 min

Arquivo/Preserva Taubaté

Imóvel abrigou um asilo entre 1908 e 2012

A construtora Ergplan apresentou recurso contra a decisão do Tribunal de Justiça que manteve a determinação para que a empresa e a Prefeitura de Taubaté adotem todas as providências necessárias para a preservação e restauração do imóvel centenário conhecido como Casas Pias.

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No recurso, que é endereçado ao STF (Supremo Tribunal Federal), a Ergplan alega que o tombamento foi decretado pela Prefeitura após o próprio município ter autorizado o início da obra de um empreendimento da construtora na área. A empresa argumenta ainda que não foi notificada para se manifestar durante o processo de tombamento.

A Prefeitura não apresentou recurso contra a decisão do TJ.

PROCESSO.
O processo judicial foi protocolado pela Defensoria Pública em novembro de 2012, mesmo mês em que foi editado pelo então prefeito Roberto Peixoto o primeiro decreto de tombamento da Casas Pias, que atingiu uma área de 492 metros quadrados, na qual se localiza a capela.

Em 2016, foi editado um segundo decreto, pelo então prefeito Ortiz Junior (Republicanos), que estendeu o tombamento a todo o conjunto de edificações da Casas Pias, que abrigou um asilo entre 1908 e 2012. A área preservada passou a ser de 2,2 mil metros quadrados, incluindo a antiga capela, o pátio e 16 pequenas casas remanescentes do antigo lar de idosos.

Em janeiro de 2023, na reta final do processo judicial, o prefeito José Saud (PP) editou um decreto que visava anular o decreto de 2016 – a Prefeitura considera que o decreto de 2012 havia sido revogado, de forma implícita, pelo de 2016.

SENTENÇA.
Na sentença emitida em julho de 2023, o juiz Jamil Nakad Junior, da Vara da Fazenda Pública de Taubaté, considerou irregular o decreto de Saud, pois a legislação municipal exige que todas as intervenções em imóveis tombados devem ser submetidas ao CMPPHAUAA (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Urbanístico, Arqueológico e Arquitetônico), o que não ocorreu no caso.

O magistrado ainda discordou das alegações da Prefeitura e da Ergplan e destacou que, mesmo que a anulação do decreto de 2016 fosse considerada válida, "o dever de preservação imposto" pelo decreto de 2012 "estava intacto".

O juiz destacou ainda que o laudo pericial "atestou com clareza e objetividade que 'é de interesse histórico, artístico, arqueológico, arquitetônico e paisagístico o tombamento do conjunto arquitetônico Casas Pias de Taubaté, para salvaguardar a integridade das edificações, a memória e história do local'". Pela sentença, devem ser preservados todos os pontos abrangidos pelo decreto de 2016 - a antiga capela, o pátio e 16 pequenas casas remanescentes do antigo asilo.

RECURSOS.
Município e construtora apresentaram recursos contra a decisão de primeira instância. Em sua apelação ao TJ, a Prefeitura alegava que cabe ao município "a tutela do patrimônio cultural, arquitetônico e histórico", e que não pode haver "intervenção do Judiciário". Já a Ergplan sustentava que os decretos de tombamento do imóvel foram ilegais, pois a construtora não teria sido ouvida.

Ao votar pela rejeição dos recursos, em dezembro de 2023, o desembargador Borelli Thomaz, relator do processo na 13ª Câmara de Direito Público do TJ, apontou que os dois decretos de tombamento do imóvel, de 2012 e 2016, "foram editados após necessários debates e pareceres confeccionados pelos Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Urbanístico, Arqueológico e Arquitetônico, evidenciando a relevância social e histórica dos bens".

O relator apontou ainda que o decreto que 2023, que visava anular o tombamento, "foi expedido sem a necessária consulta ao conselho competente" e "tampouco há qualquer demonstração de participação popular em debates pertinentes".

IMÓVEL.
A Casas Pias fica em um imóvel de 8,7 mil metros quadrados, que está situado entre as ruas Quatro de Março e Barão da Pedra Negra, na região central. Na área que nunca foi tombada, a construtora ergueu em 2013 duas torres residenciais, com 104 apartamentos e 160 vagas de garagem. Na área que foi alvo de tombamento, a empresa queria construir outras duas torres, com 160 apartamentos, além de garagem.

Na ação movida pela Defensoria, uma decisão liminar emitida em 2013 pelo Tribunal de Justiça já obrigava a Ergplan a observar uma distância de 2 metros da área da capela para a realização de qualquer atividade relacionada ao empreendimento residencial.

Em janeiro de 2023, um dia útil após o ato de Saud que visava anular o decreto de 2016, a Ergplan chegou a solicitar que a Prefeitura autorizasse a demolição do imóvel.

REVISÃO.
Em 2021, em seu primeiro ano como prefeito, Saud solicitou que o CMPPHAUAA fizesse a revisão dos processos de todos os bens tombados na cidade. Sem apresentar qualquer prova, o prefeito disse suspeitar que alguns bens tivessem sido tombados de forma indevida. Criticada por especialistas e entidades que atuam na área de preservação do patrimônio, a proposta foi engavetada pelo conselho, que alegou não possuir corpo técnico para isso.

No início de 2023, Saud passou a defender que a legislação municipal sobre o tema era inconstitucional e que iria fazer essa revisão dentro das secretarias municipais - foi com esse argumento que editou o ato que visava anular o decreto de 2016 da Casas Pias.

Na esfera municipal, são 36 bens, que foram tombados no período de 1985 a 2020, sendo 29 imóveis. Na esfera estadual, são oito os bens tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), que é subordinado à Secretaria da Cultura. Na esfera federal, são dois os bens tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vinculado ao Ministério do Turismo. O prefeito pode, por decreto, revogar apenas o tombamento municipal, mas não tem competência para alterar tombamentos feitos por Condephaat e Iphan.