27 de julho de 2024
PREOCUPAÇÃO

Suicídio faz uma vítima a cada três dias no Vale; mortes sobem 180% em 37 anos

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 6 min
Reprodução
Casos tiveram aumento na região

A cada três dias, em média, uma pessoa se suicida no Vale do Paraíba. Em 1980, era uma a cada 10 dias. O aumento das mortes serve de alerta de que o suicídio tornou-se um problema de saúde pública e que deve ser tratado sem tabu.

Faça parte do canal de OVALE no WhatsApp e receba as principais notícias da região! Acesse: https://whatsapp.com/channel/0029VaDQJAL4tRs1UpjkOI1l

Na RMVale, a taxa de mortalidade por suicídio aumentou 40% entre 1980 e 2017, de acordo com levantamento da Fundação Seade. Não há dados mais atualizados na plataforma do órgão estadual.

A taxa passou de 3,21 vítimas de suicídio por 100 mil habitantes em 1980 para 4,49 em 2017. O crescimento está na contramão da média estadual, que caiu nesse período: 4,49 para 4,28, uma redução de 4,6%.

No Vale, o número de óbitos por suicídio cresceu quase três vezes acima do percentual do estado de São Paulo. As 39 mortes por suicídio em 1980 na região saltaram para 109 em 2017, um acréscimo de 180%. No Estado, os óbitos pularam de 1.121 para 1.868 no mesmo período, aumento de 66%.

Percentualmente, o aumento dos suicídios foi maior do que o crescimento da população. Em 1980, o Vale contava com 1,2 milhão de moradores, que passaram a 2,4 milhões em 2017, alta de 100%.

CASOS NO VALE

Neste sábado (3), o Corpo de Bombeiros encontrou o corpo da professora Edna Guedes, 50 anos, que estava desaparecida desde 29 de janeiro. Ela foi encontrada no rio Paraíba, na região de Moreira Cesar, distrito de Pindamonhangaba. Os bombeiros fizeram as buscas após receberem a informação de que uma mulher havia pulado no rio.

Motivo semelhante também levou à morte do cantor Ton Ferreira, 34 anos, cujo corpo foi encontrado no dia 12 de janeiro deste ano, em São José. Ele estava desaparecido havia cinco dias. Ton deixou a mulher e quatro filhos – o mais velho tem 8 anos e o mais novo, dois meses.

Em 21 de janeiro de 2023, foi encontrado morto o estudante universitário Leonardo de Prado Moreno, 22 anos, em uma área de mata no Parque da Cidade, na zona norte de São José. Ele estava desaparecido desde 23 de dezembro de 2022 e enfrentava um quadro de depressão.

“A sua morte gerou muita discussão principalmente por ter se tornado de conhecimento nacional, isso ajudou muito em suas buscas e após o desfecho consegui levar o assunto ‘depressão’ para as pessoas como sendo uma doença que precisa ser tratada e vista com atenção”, afirmou Isabella da Silva Alves, melhor amiga do estudante.

Os casos de Edna, Ton e Leonardo se assemelham pelo quadro de depressão, desaparecimento e provável suicídio – já confirmado nos casos de Ton e Leonardo.

MUNDO E BRASIL

Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 700 mil pessoas morrem por ano devido ao suicídio no mundo, o que representa uma a cada 100 mortes registradas.

A OMS revela que as taxas mundiais de suicídio estão diminuindo, mas na região das Américas os números vêm crescendo. Entre 2000 e 2019, a taxa global diminuiu 36%. No mesmo período, nas Américas, as taxas aumentaram 17%.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio aparece como a quarta causa de morte mais recorrente, atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 mostram que, em 2020, foram registrados 13.264 suicídios, passando para 14.353 registros em 2021. Nesse período, enquanto os homicídios tiveram redução de 5,9%, os casos de suicídio aumentaram em 8,2%.

Considerado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) a terceira causa de morte entre adolescentes, o suicídio de jovens entre 12 a 18 anos é uma realidade em crescimento no Brasil.

REDES SOCIAIS

Neste cenário, as redes sociais assumem cada vez mais protagonismo e acabam influenciando diretamente o adolescente a tomar atitudes extremas, de acordo com Marina Balieiro, psicóloga do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos.

Segundo ela, os mais diversos tipos de conteúdos, hoje disponíveis na internet, também impulsionam o comportamento.

“Os jovens têm acesso muito maior à internet e usam como um meio de comunicação. Se antes havia o bullying na escola e a pressão social, hoje você tem tudo isso dentro das redes sociais, que muitas vezes os pais não conseguem identificar”, disse a especialista. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos aos sinais e não menosprezem qualquer tipo de manifestação do adolescente.

“O jovem já tem uma tendência natural a se isolar, então às vezes as pessoas falam que isso é normal, coisa de adolescente. Mas não é. Muitas situações podem estar acontecendo, perturbando seu filho de uma maneira forte e não sabemos identificá-las", afirmou Marina.

Até mesmo as conversas descontraídas devem ser observadas. A psicóloga disse que os indícios podem ser detectados até mesmo em momentos mais tranquilos. "Quando um adolescente fala brincando que não aguenta mais e deseja se matar, é preciso entender porquê está se expressando assim. Não é comum você falar que quer se matar.”

Como forma de ajuda, a psicóloga esclarece que nem sempre a conversa consegue resolver, e é preciso procurar ajuda especializada. "A família tem que tentar conversar e encontrar alternativas, mas às vezes é preciso encaminhar para a terapia, que será um momento do adolescente encontrar um espaço e explicar o que está sentido efetivamente”.

PREVENÇÃO

De modo geral, transtornos mentais são caracterizados por mudanças no padrão de comportamento que trazem prejuízos nas atividades diárias.

Quando o indivíduo muda suas condutas e isso passa a prejudicá-lo, seja no trabalho, na vida social, na vida escolar ou em qualquer outro âmbito, essas alterações devem servir de alerta.

Entre as crianças e adolescentes, os pais precisam ficar atentos aos seguintes sinais: mudanças na rotina do sono (insônia ou alteração de horários para dormir e acordar), isolamento da família e do contato social de forma repentina, comentários como “eu prefiro morrer do que passar por isso”, uso de roupas de mangas longas, mesmo quando está calor, comportamento que pode indicar marcas de automutilação nos braços ou antebraços e diminuição do rendimento escolar.

Em São José dos Campos, o Francisca Júlia CVV presta atendimentos mensalmente para 12 mil pacientes. Com 51 anos completados em agosto de 2023, a instituição é referência no tratamento da saúde mental.

Criada em 1972 como Clínica de Repouso Francisca Júlia, pelos voluntários que fundaram o CVV (Centro de Valorização da Vida), a instituição se consolidou na promoção da saúde mental, tratamentos para dependentes químicos e no apoio emocional de pessoas em momentos de vulnerabilidade.

O CVV é referência nacional no combate ao suicídio, com apoio emocional e prevenção, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. O telefone é 188 e o site é o www.cvv.org.br.