Velhos marujos dizem que a Ponta da Pirabura, no mar de Ilhabela, é amaldiçoada. Ninguém passa por ali incólume. O local contabiliza mais de 10 desastres marítimos.
O mais famoso deles é o do transatlântico de luxo Príncipe de Astúrias, navio espanhol conhecido como ‘Titanic brasileiro’. Ele saiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Buenos Aires, na Argentina, em 1916.
Os 30 dias de viagem foram interrompidos na madrugada de 6 de março daquele ano. Com pouca visibilidade e mar agitado, o navio bateu na laje submersa da Ponta da Pirabura. O casco rasgou, caldeiras explodiram e cerca de 450 pessoas morreram. O navio afundou em cinco minutos.
Passados 107 anos, o local virou um dos pontos mais procurados para mergulhos em destroços. Há quem busque tesouros escondidos nas ruínas do ‘Titanic brasileiro’.
“Ainda existe parte da carga de metais, como estanho, cobre e ouro, além de objetos dos passageiros e 12 estátuas comemorativas”, diz o mergulhador profissional e instrutor Cesar Gentile, 52 anos, de Caraguatatuba.
Mergulhador exploratório de ruínas de cidades submersas, com mais de 400 expedições só no Astúrias, Gentile explica que a grande polêmica que envolve o navio espanhol é sobre a quantidade de pessoas embarcadas.
“Havia quase 600 oficiais e, além deles, a hipótese de quase 800 refugiados de guerra com seus pertences nos porões.”
Segundo ele, existem louças, talheres, objetos pessoais, entre outras coisas por lá, mas, a não ser que o mergulhador tenha autorização para retirar algo, tudo deve ser apenas visto e não retirado -- lei federal torna patrimônio da União os bens no fundo do mar.
Além disso, o desejo de ‘enriquecer’ com os ‘tesouros’ do Astúrias pode trazer grandes perigos. E não são os fantasmas.
O mergulho nos destroços do navio é extremamente técnico, difícil e perigoso. A visibilidade no fundo quase nunca passa de dois metros, as correntes são fortes e as arestas, como pontas, fragmentos e compartimentos, podem facilmente aprisionar o mergulhador ou ainda provocar lesões graves.
“Não recomendo a ninguém que não tenha curso de technical wreck [mergulhar em naufrágios, com alto grau de dificuldade]”, diz Gentile.
Para complicar, operações autorizadas de resgate no final dos anos 1980, com explosivos, deixaram o naufrágio em praticamente três partes, submersas a partir de 18, 36 e 52 metros de profundidade.
Leia a entrevista completa com o mergulhador profissional Cesar Gentile
Como é a sua carreira?
Estou com 52 anos, sendo mais de 34 anos como mergulhador e 31 em área profissional, desde mergulho comercial à instrução de alunos recreativos, técnicos e profissionais, formados aqui e no exterior.
Quantas vezes você mergulhou para explorar os destroços do Príncipe de Astúrias?
São mais de 400 mergulhos , contando apenas os do Astúrias.
Onde os destroços do Príncipe de Astúrias estão alojados?
Ele está nas imediações da Ponta da Pirabura, no mar de Ilhabela. Além da explosão das caldeiras que ocorreu devido ao contato com a água após se chocar nas pedras na madrugada do naufrágio, e que já causou grande estrago no navio, o levando a afundar por completo em menos de 5 minutos, as operações regulares e autorizadas para salvatagem no final da década de 80 com necessidade de uso de explosivos para isso deixaram o naufrágio hoje praticamente em três partes, sendo o início de uma delas a 18 metros de profundidade e as outras a 36 metros e 52 metros.
É um mergulho difícil para explorar os destroços do Príncipe de Astúrias?
Extremamente difícil, principalmente nas seções mais profundas. A visibilidade raramente no fundo passa de dois metros, as correntes são extremamente fortes e as arestas, pontas, fragmentos e compartimentos podem facilmente aprisionar o mergulhador ou ainda provocar lesões graves. Não recomendo a ninguém que não tenha curso de technical wreck.
Um dos enormes riscos lá é a baixa visibilidade, o que não permite fotos ou filmagens com qualidade em termos visuais.
O que é o curso de technical wreck?
Mergulhador de naufrágio que engloba os três níveis de credenciamento. Tradução literal é naufrágio técnico com descompressão e grau de dificuldade mais alto. Os outros níveis seriam wreck (naufrágio sem perder a luz) e advanced wreck (pode perder luz mas com limitações). Esses seriam mais simples.
Há tesouros nos destroços do Príncipe de Astúrias?
Como em muitos navios, existia e ainda existe parte da carga de metais como estanho, cobre, ouro, objetos dos passageiros e 12 estátuas comemorativas. A grande polêmica é na quantidade de pessoas [embarcadas] entre os quase 600 oficiais e, além delas, a hipótese de quase 800 refugiados de guerra com seus pertences nos porões.