Imagine a seguinte cena: Stephen Hawking impedido de cursar o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos.
Parece meio ilógico que um dos maiores físicos teóricos de todos os tempos fosse impossibilitado de estudar numa das melhores escolas de engenharia do Brasil, ligada ao setor aeroespacial e tecnológico.
Pois bem, isso é o que aconteceria se, numa cena fictícia, um jovem Stephen Hawking passasse no vestibular do ITA. Ele seria impedido de estudar na concorrida escola por ter um problema de saúde que o debilitava fisicamente.
O físico britânico morreu em 2018 aos 76 anos em sua casa, na Inglaterra. Além da genialidade na física teórica, Hawking era exemplo de determinação por resistir por décadas à esclerose lateral amiotrófica.
“Um aluno com deficiência física, mesmo aprovado no vestibular, não poderia cursar o ITA. Por ser organização militar, não há lei que obrigue as Forças Armadas a aceitar deficientes físicos”, disse o engenheiro eletrônico Rafael Rosa, presidente da Aeita (Associação dos Engenheiros do ITA).
Segundo ele, desde a década de 1970, todos os alunos do ITA têm obrigatoriamente que fazer o serviço militar durante o primeiro ano da formação. No entanto, apenas a menor parte desses alunos ingressa efetivamente na carreira militar.
No vestibular para o ano letivo de 2023, por exemplo, o ITA oferece 150 vagas, sendo 114 para não optantes à carreira militar e 36 para optantes, apenas 24% do total. A escola recebeu 9.364 inscrições de candidatos – a primeira fase do vestibular ocorreu em 16 de outubro e a segunda está marcada para 8 e 9 de novembro.
Com a exigência de fazer o serviço militar obrigatório, os estudantes com deficiência física que passavam no vestibular não conseguiam passar nos exames físicos, sendo reprovados para cursar a escola. Muitos desses alunos ingressaram na Justiça para conseguir a vaga.
Sensibilizada por essa causa, a Aeita travou uma luta de 20 anos para mudar as regras do ITA, batalha que foi finalmente vencida em 2022, com apoio do Comando da Aeronáutica e do próprio ITA.
“Se a maioria dos alunos não vai seguir a carreira militar, porque exigir que todos tenham as condições físicas para um militar. Não fazia sentido”, disse Rosa.
No edital deste ano, valendo para os cursos a partir de 2023, o ITA mudou as regras e passou a oferecer vagas para alunos “que poderiam ser eliminados do certame devido às condições de saúde”.
“A mudança visa possibilitar ao candidato não optante à carreira militar, que for reprovado na fase de Inspeção de Saúde do Concurso, solicitar ao Comandante da Aeronáutica, isenção para ingressar no Curso de Preparação de Oficiais da Reserva”, informou o ITA.
As regras dizem ainda que os candidatos requerentes “deverão, obrigatoriamente, ser avaliados por uma Equipe Multidisciplinar, que analisará se o projeto pedagógico do ITA tem condições de atender às necessidades educacionais especiais do candidato reprovado, de forma individualizada, de maneira que não decorra incompatibilidade para o desempenho das atividades escolares do ITA”.