As festas de fim de ano, tradicionalmente associadas à união e à celebração, nem sempre são vividas assim por todas as famílias. Em lares onde há conflitos antigos, mágoas não resolvidas e relações fragilizadas, o período pode intensificar tensões emocionais, aumentar quadros de ansiedade e até desencadear sofrimento psicológico mais profundo. O alerta é do psicólogo clínico Eneias Amorim, da entidade Francisca Julia Bem Estar Mental, em São José dos Campos.
Segundo o especialista, o próprio contexto das festas contribui para o ressurgimento de conflitos que ficaram latentes ao longo do ano. “As festas de fim de ano costumam intensificar conflitos familiares que ficam adormecidos ao longo do ano porque justamente há um teor emocional envolvido em certos contextos familiares”, explica. Ele ressalta que, durante o ano, muitos familiares evitam o convívio, mas, ao se reencontrarm em datas comemorativas, saão expostos a dificuldades de vínculo e relações mal resolvidas.
Entre os principais gatilhos emocionais estão histórias inacabadas, problemas de relacionamento e situações de desrespeito. “O que traz à tona são assuntos inacabados, discussões de meses atrás, problemas de dívidas dentro da própria família - isso também pode acontecer - e situações de agressividade e situações humilhantes também geram gatilhos em momentos de festa”, afirma o psicólogo.
Esse ambiente, quando não oferece espaço para diálogo e mediação, tende a agravar o sofrimento emocional. “Afeta a ansiedade, o estresse e o humor quando a família não oferece um espaço de diálogo positivo, de expressão de sentimentos, de liberdade e de mediação de conflitos”, diz. Segundo ele, a falta dessa mediação pode levar ao aumento de estresse, ansiedade extrema e até ao isolamento de quem prefere se afastar para se proteger emocionalmente.
Pessoas que já convivem com quadros de tristeza persistente, irritabilidade ou crises de ansiedade costumam sentir os efeitos ainda mais intensamente. “Pessoas que já têm uma tendência à depressão, pessoas que têm uma predisposição genética para o adoecimento mental, de crises de ansiedade, nesses momentos, tendem, sim, a piorar seu estado emocional”, alerta Eneias. Para ele, quando o ambiente familiar deixa de ser um espaço seguro, o impacto emocional se intensifica.
Há sinais claros de que o sofrimento ultrapassou o limite do considerado normal e exige atenção profissional. “Temos pessoas que escolhem o isolamento. Não se trata de uma questão de solitude, mas de solidão, afastando-se de todo o seu contexto familiar, tendo crises de choro recorrente, crises de ansiedade, ou recorrendo ao uso de substâncias para tentar esquecer essa família da qual fazem parte”, explica. Nesses casos, o psicólogo reforça que buscar ajuda especializada é primordial.
Para atravessar encontros familiares tensos com menos prejuízo à saúde mental, Eneias Amorim recomenda atitudes práticas, como o estabelecimento de limites. “Se você tem um irmão, um primo, um tio, uma tia, uma sogra, algum familiar que o desrespeita, estabeleça limites. Não permita que essa pessoa transborde”, orienta. Ele também destaca a importância de reduzir o tempo de permanência em eventos desgastantes e de deixar claro quando comentários ou piadas ultrapassam o limite do respeito.
“Portanto, estabelecer limites, estabelecer limites de tempo também e procurar resolver conflitos o mais rápido possível. Afinal de contas, as festas comemorativas são exatamente para comemorar e não para constranger ninguém”, conclui o psicólogo.