O apagão que deixou milhões de imóveis sem energia na Grande São Paulo ao longo da última semana desencadeou uma disputa de responsabilidades entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o governo Lula (PT), em meio a esforços dos três para reduzir custo político provocado pela crise e ampliar o desgaste dos adversários.
Membros das três equipes avaliam que, como é pouco claro para a população quais são as competências de todos os envolvidos na crise -Prefeitura, governo do Estado, governo federal, Aneel e Arsesp (agências reguladoras federal e estadual, respectivamente) e Enel, concessionária de energia-, é preciso adotar uma série de medidas para evitar reflexos negativos que cheguem até o próximo período eleitoral.
Desse modo, enquanto Nunes, como gestor local mais cobrado, atua para responsabilizar a Enel, Tarcísio busca um discurso que ressalta o caráter estrutural da crise, e Lula se coloca em uma posição de mediador entre os grupos em conflito, deixando para seus ministros a missão de defender o governo.
A região recebeu uma ventania com rajadas de até 100 km/h na última quarta-feira (10). A Enel afirmou que os ventos destruíram partes da rede e que inicialmente 2,5 milhões de imóveis foram atingidos na região metropolitana. Cinco dias depois do vendaval, milhares de famílias continuam sem energia.
Na capital, Nunes adotou uma comunicação voltada a demonstrar iniciativa e a deslocar o foco do desgaste político da Prefeitura para a concessionária e para a esfera federal.
Ainda na quarta-feira, pouco após a ventania, ele expôs à imprensa imagens de veículos da Enel parados em pátios -enquanto São Paulo tinha semáforos apagados, locais sem água e transtornos no transporte- e anunciou que, mais uma vez, estava acionando a Aneel para pedir a adoção de medidas.
O prefeito buscou agir rapidamente e classificar o problema como falha de concessão e fiscalização, competências da União. "É o presidente da República que tem a prerrogativa de fazer a intervenção nas concessionárias [no caso, a Enel] por decreto", disse à reportagem, no domingo (14).
Por outro lado, Nunes se viu em um jogo de empurra com a concessionária, que se defendeu das críticas destacando falhas no serviço de poda de árvores -cuja responsabilidade é dividida entre a empresa e a Prefeitura.
Na eleição de 2024, o segundo turno começou em meio a crise similar. O prefeito foi alvo do adversário, Guilherme Boulos (PSOL), justamente por causa da poda de árvores. "Nunes não fez o básico", disse o rival, atualmente ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Aliados do prefeito avaliam que a tática, adotada na ocasião, foi adequada e segue sendo utilizada.
Tarcísio, por sua vez, tem críticas à empresa e cobranças ao governo alinhadas às declarações de Nunes. "A gente está falando de uma empresa que tem um contrato antigo, que vence em 2028", disse Tarcísio nesta segunda-feira (15), durante entrevista em Caraguatatuba. "A partir do momento em que o contrato está perto do fim, a empresa passa a não fazer mais investimento, não tem equipe e deixa de investir na manutenção, na poda de árvores e na automação."
O governador é alvo de adversários por defender a política de concessões públicas de serviços essenciais -é dele a privatização da Sabesp, no ano passado, que ele classifica como uma concessão moderna. Suas declarações defendem que é possível criar contratos com cláusulas que obriguem investimentos da empresa e previnam falhas, além de sustentar o pedido de intervenção na concessionária.
"Nós pedimos as intervenções da regulação [Aneel], entramos na Justiça e vamos procurar a Justiça mais uma vez, pedindo que intervenha na própria agência, cobrando medidas mais duras", disse.
A reportagem apurou, contudo, que nem a equipe de Nunes, nem a de Tarcísio, esperam que o governo federal intervenha na empresa antes de março, quando termina uma auditoria que a Aneel está realizando na Enel.
Ao comentar o caso nesta segunda-feira, Tarcísio citou ações adotadas no Paraná e em Goiás que, segundo ele, garantiram a execução dos serviços por empresas privadas, como exemplos de que regulação e fiscalização podem produzir resultados.
Embora diga que pretende disputar a reeleição em São Paulo, o governador é citado por aliados e adversários como possível candidato à Presidência.
No fim da tarde, o governo do estado publicou um comunicado em que cita duas legislações federais que poderiam autorizar a intervenção. "É indispensável que o governo federal, por meio do Ministério de Minas e Energia, observando as evidências apontadas pela Arsesp e pela própria Aneel, atue com máximo rigor no exercício do poder concedente, declarando intervenção na concessão da Enel São Paulo", diz o texto.
Lula, ao longo da semana, não respondeu diretamente às críticas, mas ministros do governo fizeram sua defesa.
O titular de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), disse na sexta-feira (12) que o foco do governo era restabelecer a energia nos imóveis afetados e afirmou que Nunes e Tarcísio faziam uma "disputa política" em torno do incidente.
Já Guilherme Boulos afirmou, durante protesto na avenida Paulista, no domingo, contra o PL da Dosimetria, que Nunes e Tarcísio, "que são os maiores defensores das privatizações", não teriam moral para "querer botar no colo do Lula" o fato de uma empresa privatizada prestar, segundo ele, um "serviço porco" em São Paulo.
Lula, Nunes e Tarcísio se encontraram em Osasco, na Grande São Paulo, durante evento promovido pelo SBT, na sexta-feira. Nunes foi ao local preparado para fazer cobranças diretas ao presidente -e fez uma breve menção ao tema, pedindo ajuda, durante discurso transmitido pelo canal- e Tarcísio ficou ao seu lado.
Os três tiveram uma breve conversa após o evento. O presidente não rebateu ataques nem defendeu seu governo, mas provocou Nunes dizendo, em tom de brincadeira, que "a culpa é do Tarcísio". Nenhum dos dois interlocutores reagiu, mas Lula prometeu falar com Silveira e pedir uma conversa entre eles -Tarcísio disse que a reunião deve ocorrer nesta terça-feira (16).
No domingo, após conversar com o presidente, Silveira divulgou uma nova nota, em tom mais duro em relação à empresa. Admitiu a possibilidade de cancelamento do contrato e afirmou que o governo "não tolerará falhas reiteradas" da concessionária.