05 de dezembro de 2025
GAZETILHA

Um tiro no pé, de botas texanas

Por Corrêa Neves Jr. | editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 7 min

“A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los, fazer um diagnóstico falso e aplicar os remédios errados.”
Groucho Marx, comediante americano

Donald Trump decidiu, nesta semana, aplicar tarifas extras de estratosféricos 50% contra todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. A justificativa? A primeira, o Brasil seria “injusto” com seu parceiro norte-americano. A alegação seria apenas risível, não fosse o prejuízo concreto a setores estratégicos do País — particularmente o agronegócio, com destaque para o café, cítricos e carne.

Um simples olhar para a balança comercial entre os dois países revela o absurdo: somados os últimos dois anos (2023-2024), o Brasil exportou para os Estados Unidos US$ 83,29 bilhões e de lá importou US$ 94,50 bilhões. O saldo, portanto, foi de US$ 11,21 bilhões, o equivalente a R$ 61 bilhões – a favor dos americanos. A tal “injustiça”, como os números oficiais comprovam, existe apenas na cabeça alaranjada de Donald Trump.

A segunda “justificativa” oferecida pelo ex-presidente americano é ainda mais delirante: ele insinua que as tarifas seriam uma forma de pressionar Lula a “ajustar o curso” em relação ao processo judicial por tentativa de golpe de estado e insurreição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A declaração escancara um total desconhecimento — ou desdém — sobre o funcionamento institucional do Brasil.

Como todo mundo sabe, Bolsonaro responde a processo no Supremo Tribunal Federal, após denúncia da Procuradoria-Geral da República. Tem garantidos todos os direitos de defesa, além de ser tratado com a liturgia devida. Isso, convenhamos, não diz respeito a Trump — nem a qualquer outra nação estrangeira, por mais poderosa que seja.

Bolsonaro não foi preso arbitrariamente, responde em liberdade pelos graves crime pelos quais é acusado, tem tido oportunidade para se manifestar – no processo e fora dele – da forma que deseja e não teve quaisquer restrições de movimento, exceção feita ao passaporte apreendido, porque o risco de fuga para o Exterior numa tentativa de evitar os efeitos de uma condenação existem. Mas ele segue, inclusive, fazendo livres manifestações ao lado de figuras que lhe são simpáticas, como o pastor Silas Malafaia.

Além de absurda, a medida é inócua. Lula não tem qualquer poder para frear ou acelerar o curso de ações penais. E o Supremo já deixou claro que um eventual indulto presidencial não tem força para anular os crimes dos quais Bolsonaro é acusado. Diferentemente dos EUA, onde o perdão presidencial tem efeitos quase absolutos, no Brasil ele é limitado e passível de revisão judicial. A tentativa de Trump, portanto, é inútil juridicamente — e grotesca politicamente. Restaria a anistia via legislação no Congresso, mas nem deputados parecem convencidos em número suficiente que ceder à chantagem de um líder estrangeiro renda quaisquer dividendos eleitorais.

Mas a cena mais constrangedora desse teatro geopolítico foi protagonizada por Eduardo Bolsonaro. Em “fuga oficial” aos Estados Unidos, o deputado federal buscou articular, nos bastidores, com ícones da ultradireita internacional, um gesto de apoio ao pai. Encontrou eco em figuras como Steve Bannon — condenado por fraude, banido de redes por incitação ao ódio e guru do populismo reacionário no Ocidente. Para Bannon, a prisão de Bolsonaro se encaixa numa suposta “perseguição global” a líderes conservadores — uma teoria conspiratória que transforma criminosos em mártires e atenta contra os pilares básicos da democracia liberal.

A ideia dos gênios era convencer Trump a mirar como um sniper em Alexandre de Moraes e outros ministros da corte suprema brasileira. Queriam a aplicação da “lei Magnitsky” contra o ministro Alexandre de Moraes — uma lei americana criada para punir ditadores e violadores sistemáticos de direitos humanos ao redor do mundo.

Se levada a sério, a proposta permitiria aos Estados Unidos congelar bens, suspender vistos e aplicar sanções financeiras a um magistrado brasileiro em pleno exercício de sua função constitucional. A ideia não prosperou, pelo menos por enquanto — mas escancara o grau de delírio que contamina a lógica bolsonarista: transformar um ministro em tirano, a legalidade em perseguição, e a Constituição em obstáculo. É o tipo de gesto que, além de diplomática e juridicamente patéticos, reforça a imagem de um movimento disposto a tudo — inclusive a deslegitimar seu próprio país — em nome de um projeto de poder pessoal.

Ao invés da lei Magnitsky, Trump, sabe-se lá exatamente por qual razão _ ter se sentido incomodado com o protagonismo brasileiro no Brics e sua “ameaça” ao dólar; enxergar  semelhanças do seu próprio caso com o de Bolsonaro e temer  que o desfecho brasileiro possa de alguma forma impactar a opinião pública americana; ou ter tomado Coca-cola estragada – resolveu aplicar um tarifaço amplo contra as empresas brasileiras.

Fez isso com a delicadeza que só os trogloditas têm. Ao invés de encaminhar uma carta formal pelos canais diplomáticos — o que já seria ruim, mas pelo menos respeitaria alguma liturgia —, preferiu publicar em sua própria rede social a tal “carta”. “Com efeito imediato (na verdade, o efeito é a partir de 1 de agosto), os Estados Unidos estão impondo uma tarifa de 50% sobre todas as importações de aço e alumínio do Brasil”. Sem aparente constrangimento, segue: “Estou fazendo isso porque o ex-presidente Jair Bolsonaro está sendo injustamente perseguido pelo sistema judicial brasileiro, e acredito que o presidente Lula deveria fazer o que for necessário para garantir que Jair Bolsonaro tenha um julgamento justo”.

O gesto, mal recebido por parlamentares, empresários e até por setores da Direita brasileira e americana, repercutiu como tentativa infantil de ingerência externa. O economista Paul Krugman, ganhador do Nobel, classificou a tarifa de 50% imposta por Trump aos produtos brasileiros como “megalomaníaca, perversa e ilegal”, afirmando que “mal disfarça sua verdadeira motivação: punir o Brasil por julgar Bolsonaro”. Para ele, não há qualquer justificativa econômica por trás da medida — é sobretudo um instrumento político que viola a legalidade americana, e chega a chamar a ação de “razão suficiente para abrir um processo de impeachment” contra Trump.

A tempestade tarifária não parou no Brasil. Nos últimos dias, ele mirou também o Canadá, o México e toda a União Europeia, anunciando sobretaxas de até 35% com a mesma retórica paranoica de sempre: combater o fentanil, conter imigrantes ilegais e “corrigir” déficits comerciais que nem seus assessores conseguem explicar com seriedade.

A diplomacia canadense classificou a medida como “um ato hostil”; o governo mexicano chamou de “abuso eleitoral disfarçado de política comercial”; e a União Europeia, mesmo moderada, já acenou com retaliações caso a escalada não recue até agosto.

É o velho script trumpista: transformar parceiros históricos em inimigos fictícios, aplicar o isolacionismo a fórceps e depois posar de vítima quando o mundo reage. O comércio global vira palco de bravatas, e a ordem multilateral, de novo, entra em colapso ao som de tweets em caixa alta.

No caso do Brasil, ao mirar Lula, Trump acertou o próprio pé — e, de quebra, deu mais combustível à Justiça brasileira para seguir com os processos contra Bolsonaro. Seu gesto é um blefe geopolítico motivado por ressentimentos pessoais e pelo incômodo com o papel crescente do Brasil nos Brics e no cenário multipolar. É também uma tentativa de se reposicionar junto à extrema-direita global, buscando manter viva a chama do delírio populista que o sustenta politicamente.

Mas há algo mais profundo por trás dessa história. Quando Trump, Bolsonaro, Eduardo e Bannon se movem juntos, o que se forma é uma tempestade de ignorância, delírio e autoritarismo — uma internacional do absurdo que só deixa rastro de prejuízos para suas nações. E, em meio a tudo isso, o Brasil aparece como coadjuvante involuntário de uma farsa alheia, que apenas serve para fragilizar sua imagem internacional e punir setores econômicos que não têm qualquer culpa — mas que pagam a conta de tamanha insanidade.

Menos de 20 dias nos separam do início dos efeitos práticos do tarifaço de Trump. Até lá, muita coisa pode acontecer: Trump pode recuar, pode se manter onde está e prejudicar as empresas brasileiras, pode encontrar um meio termo... Impossível saber. Mesmo assim, uma coisa é certa. Bolsonaro será julgado, muito provavelmente condenado e vai ter que se habituar a trocar as manifestações de rua e o destempero verbal nas redes sociais pelas delícias do silêncio em confinamento involuntário. Isso não muda, faça Trump o que fizer. Este é um prognóstico sem chance de erro.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).