Ingredientes:
Estava lendo “Minha vida de menina”, de Helena Morley, livro delicioso sob a forma de diário, quando cheguei ao trecho em que a protagonista conta que tinha ido lavar roupa no córrego com a família. E chegada a hora do almoço, a mãe preparou para os filhos “um tutu com arroz”. A ação se passa na cidade de Diamantina, entre os anos 1889-1892, numa área rural onde ainda viviam muitos escravos junto a ex-patrões. A cena foi descrita com tamanha vivacidade pela escritora que me deu apetite. No dia seguinte preparei tutu conforme aprendi com mineiros. É esse que a foto mostra.
Para quem não sabe, o tutu resulta basicamente de uma bem firmada união entre a farinha de mandioca branca e o feijão caldeado e bem cozido. Antigamente os grãos eram esmagados com as costas de uma concha, na mesma panela em que era refogado. Esse é o modo caipira; mas a maioria das pessoas bate o feijão e seu caldo no liquidificador. Assim ele fica parecendo um mingau grosso quando recebe a farinha. Prefiro do primeiro jeito, pois os grãos não se desfazem por completo.
A palavra tutu é originária do quimbundo quitutu, do idioma africano banto, o mais falado em Angola. Tem o sentido de "Papão", aquele mesmo que se compõe com bicho para assustar as crianças pequenas de antigamente. Depois da Internet o bicho Papão sumiu, não assusta mais. Papão se refere portanto a algo sobrenatural, que não existe no mundo real, só na imaginação. Daí o prato chamar-se tutu, pois de tão bom nem parece coisa desse mundo: essa é a explicação de quem procura sentido em tudo. Preparado com feijão, bacon (antes era o toucinho defumado) e farinha, além de temperos a gosto, é servido com arroz branco, couve refogada e ovos cozidos. O preparo é rápido, se o feijão estiver cozido.
Comece fritando o bacon. Retire quando dourar e reserve. Na gordura que se formar, doure a cebola picadinha e depois junte o alho amassado. Refogue os grãos de feijão, esmague com as costas de uma concha, junte o caldo. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Mexa bem e agregue a cachaça. Quando abrir fervura, vá despejando lentamente a farinha de mandioca, mexendo sem parar, até o ponto de um pirão. Não deve ficar ressecado, por isso, a cada entrada de farinha mexa bem e espere uns minutos para testar a espessura. Por fim reúna o bacon e mexa para que ele fique bem espalhado no tutu. Despeje numa travessa, enfeite com rodelas de ovos cozidos e couve passada na manteiga. Sirva com arroz branco.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras.