Paris trocou a ousadia e a grandiosidade da abertura por uma cerimônia de encerramento mal costurada, que oscilou entre o protocolar e o confuso.
O receio de uma polêmica semelhante à da festa inaugural, em que as referências à diversidade obrigaram o comitê organizador a negar a intenção de provocar, parece ter impactado o conteúdo do espetáculo no Stade de France, bem mais controlado e morno. O adjetivo serve inclusive para a aguardada participação do ator americano Tom Cruise.
O resultado: muitos atletas, jornalistas e espectadores saíram à francesa, sem assistir à apresentação final, a interpretação de "My Way" (canção consagrada por Frank Sinatra, mas composta por um francês, Claude François) pela cantora Yseult, e aos fogos de artifício.
Um dos momentos mais curiosos foi quando os atletas invadiram o palco, que representava o mapa-múndi. Estava previsto que ficassem em torno do palco, e não em cima dele. Pelos alto-falantes, os organizadores tiveram que pedir que descessem, para o espetáculo continuar, arrancando risos da plateia.
A quebra de protocolo por parte dos atletas acabou trazendo, ironicamente, um respiro de espontaneidade a um espetáculo engessado.
Depois de um início respeitoso da tradição das cerimônias de encerramento --entrada dos atletas, cerimônia do pódio da maratona feminina, execução do hino da Grécia, criadora das Olimpíadas--, veio o espetáculo do diretor de teatro Thomas Jolly.
Batizado "Records", o show durou meia hora e despertou aplausos educados do público, com suas referências herméticas ao nascimento dos Jogos modernos, em um congresso na universidade Sorbonne, em 1894. Gigantescos aros acrobáticos subiram ao céu, formando os anéis olímpicos e simbolizando o triunfo do ideal do barão Pierre de Coubertin.
O trecho da cerimônia que mais empolgou o público francês, paradoxalmente, foram os discursos do presidente de Paris-2024, Tony Estanguet, e do presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach.
"Vocês nos lembram que estamos vivos. Precisamos muito disso", disse Estanguet, que citou os recordes da olimpíada --inclusive o de pedidos de casamento de atletas. Bach louvou a resiliência dos atletas em um mundo cheio de guerras e não resistiu a um trocadilho infame, qualificando os Jogos de "Sena-sacionais".
A transição de Paris para Los Angeles também ocorreu aos solavancos. Começou com o tradicional: a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, entregando a bandeira olímpica para sua par americana, Karen Bass. Simone Biles também apareceu no palco, mas sua participação limitou-se a segurar o pavilhão enquanto Tom Cruise descia de rapel do teto do estádio.
O astro de "Missão Impossível", assediado pelos atletas, subiu ao palco, pegou a bandeira da ginasta e deixou o estádio em uma moto. Uma concessão e tanto para a cidade que construiu quase 500 km de ciclovia e se vendeu como palco mais sustentável da história dos Jogos.
A atenção então foi para os telões, com Cruise logo sumindo, e a bandeira olímpica viajando até pontos icônicos da cidade californiana pelas mãos de nomes antigos e novos do esporte americano --como Michael Johnson, quatro ouros no atletismo de Barcelona-1992 a Sydney-2000, e Jagger Eaton, um bronze no skate em Paris.
Enquanto Red Hot Chili Peppers, Billie Eilish e Snoop Dogg embalavam um pequeno público diante de um posto de salva-vidas estilizado em uma praia de Los Angeles, o do Stade de France começava a deixar as arquibancadas. Atletas, há muito, fugiam por um portão lateral pouco iluminado.
Como na abertura, muito prejudicada pela chuva, a transição entre o ao vivo do estádio e a transmissão nos telões não funcionava. O espetáculo só voltou ao Stade de France e ao normal quando Léon Marchand subiu ao palco com a chama olímpica. O show havia começado horas antes, com o astro da natação francesa, de terno, gravata e óculos escuros, coletando o símbolo em uma pequena lanterna no Jardim das Tulherias --o balão com a pira olímpica sempre foi só um cenário.
Apenas mais uma parte desconjuntada da festa francesa. O aperitivo de Los Angeles não fez melhor.