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13 de maio de 2024

GAZETILHA

A mão é Santa, mas a língua...

Franca é meu lar e de quase 400 mil pessoas. Respeitar isso é o mínimo que se espera. De Oscar, na sua versão homem ou lenda. E de qualquer um. Leia o artigo de Corrêa Neves Jr.

Por Corrêa Neves Jr.
especial para a Sampi

04/11/2023 - Tempo de leitura: 8 min

"O fruto de cada palavra retorna a quem a pronunciou”
Abu Shakur, poeta persa

Oscar, a lenda, também conhecido como o “Mão Santa”, é um dos maiores atletas brasileiros de todos os tempos. É, também, um dos maiores jogadores de basquete da história - não apenas do Brasil, mas do mundo. Os números que acumulou na carreira falam por si. Maior cestinha da história do esporte, com 47.439 pontos anotados ao longo dos seus 26 anos de carreira, está na frente de lendas como LeBron James, Kareem Abdul-Jabbar, Magic Johnon e Michael Jordan. Ninguém nunca jogou profissionalmente, no Brasil ou em qualquer outra parte, por tanto tempo quanto ele. Nunca ninguém também marcou mais pontos nos Jogos Olímpicos. Foram 1.098, em cinco edições, de Moscou (1980) a Atlanta (1996). Resultado disso tudo, faz parte do Hall da Fama da FIBA (Federação Internacional de Basquete), da Itália (Basket Itália) e, mais impressionante, no Hall da Fama dos Estados Unidos.

Oscar, o Schmidt, é um homem de 65 anos. Nasceu no Rio Grande do Norte, em 1958, filho de pai de origem alemã que fez carreira nas Forças Armadas. Cresceu em Brasília, consagrou-se em São Paulo, morou no Rio de Janeiro e na Europa. Casado com Maria Cristina, tem dois filhos, Filipe e Stephanie. Não é o único conhecido da família. É irmão do apresentador Tadeu Schmidt, da rede Globo, e tio do jogador de vôlei de praia Bruno Schmidt. Desde 2011, enfrenta um tumor no cérebro, o que o fez passar, desde então, por múltiplas intervenções e tratamentos. Sua batalha contra o câncer, em muitas oportunidades, emocionou o Brasil.

Nem sempre as duas dimensões de Oscar Schmidt, a humana e a lendária, caminham com a mesma grandeza. Por vezes, suas falhas de homem maculam a imagem de ídolo. São notórios os episódios de destempero, impaciência, soberba e arrogância, como durante uma palestra, há quase dez anos, em Caruaru, interior de Pernambuco. No evento, quando o microfone que usava apresentou problemas, reclamou de amadorismo dos anfitriões, menosprezou o apresentador que o entrevistava e foi grosseiro com os fãs que estavam ali para vê-lo – e que foram hostilizados apenas por tentar uma foto a seu lado. “Estou aqui para contar minha história, não para ser fotografado”, esbravejou.

Mas nada disso é páreo para o que Oscar fez nesta última semana. Durante uma entrevista concedida ao podcast Ticaracaticast, apresentado pelos humoristas Bola e Carioca e exibido originalmente na quinta-feira, 2 de novembro, no YouTube, Oscar “Mão Santa” Schmidt deixa claro seu desprezo por Franca, por sua gente e pelo basquete da cidade, com sua história e personagens.

Não há subjetividade possível na interpretação do que ele disse, o que seria até possível, ainda mais considerando o fato de que a entrevista inteira, que concedeu ao lado de Marcel, outro ídolo do esporte, tem mais de duas horas. Mas não é o caso. Não se trata de um ato falho ou de uma frase descontextualizada. É todo um raciocínio construído que deixa nítido o que ele pensa da capital brasileira do basquete.

O grosseiro desabafo aconteceu na primeira metade da entrevista, quando Marcel explica uma tática do amigo-ídolo para enfrentar jogos difíceis. Segundo Marcel, Oscar gostava de entrar nos instantes que antecediam a partida para provocar a torcida, o que fazia com que todos no ginásio se voltassem contra ele. De certa forma, ele atraia as antipatias e deixava o restante do elenco menos pressionado.

É neste contexto que Franca entra na história. E até aí, nada demais, com Oscar se lembrando de partidas no antigo Clube dos Bagres, com torcedores francanos balançando os braços que prendiam a cesta na parede e atirando “feijões” com estilingues improvisados. Sobra espaço até para uma deferência ao ginásio “Pedrocão”, que chama de “lindão”. Mas os elogios param por aí.

Começa então a saraivada, despropositada, de críticas e preconceitos. Diz que a cidade fica longe de São Paulo e isso seria motivo de zombaria quando ele, então no Sírio (clube da Capital), e os atletas de Franca, se reuniam para defender a seleção em turnês pela Europa.

Diante de uma pergunta do entrevistador, que diz que Franca conseguiu um feito ao conquistar o Mundial de Basquete deste ano, o desprezo de Oscar e Marcel é absoluto. “Qual foi o time da Euroliga que Franca ganhou?”, provoca Marcel, para completar dizendo que a equipe alemã de Bohn (que terminou como vice) é da segunda divisão europeia. Sobre o jogo final emocionante, a cesta da vitória depois da partida ser retomada com um segundo de tempo no cronômetro, nenhuma consideração. Para a dupla, mérito mesmo só o Sírio, há 44 anos, quando venceu o Real Madrid.

Oscar lembra então os momentos de agonia do Franca Basquete, quando o time enfrentou uma das crises que também fazem parte da história e ninguém nega, para dizer que foi chamado por alguém para “assumir” a equipe. Segundo sua versão, porque ele, o “Mão Santa”, conseguiria patrocínio. Aí vem o deboche explícito. Diz Oscar que recusou porque Franca seria “uma merda”.

“Chegou ao ponto de Franca pedir pra mim (sic) tomar conta do time, porque eles queriam patrocínio, é lógico. A gente tinha patrocínio, fizemos um timaço, era o banco Bandeirantes. Eu conseguia patrocínio. Aí eles chegaram ao ponto de me entregar o time. Eu disse: ‘Não, porra, não vou fazer isso. Fica com o (time) de vocês aí, que eu fico com o meu lá em São Paulo’. Imagina, eu vou pra Franca? Puta lugar de merda.”

Oscar ofendeu Franca e sua gente não apenas pelo que disse, mas também pelo que não disse. Fiz questão de assistir a entrevista inteira (que foi retirada do ar na madrugada e repostada na manhã deste sábado, com trechos suprimidos, como aquele em que Oscar chama Franca de cidade de merda) e não encontrei, nas suas mais de duas horas, uma única referência elogiosa a Pedroca, o professor responsável por popularizar o basquete na cidade. Muito menos a Hélio Rubens, o pai, ídolo como jogador e técnico, tanto de Franca quanto da seleção. Ou para seu filho, Helinho. Para outros atletas de gerações passadas, como Fausto Gianecchini, Anjinho, Robertão, Fransérgio, Guerrinha, Rogério ou Demétrius. Tampouco houve qualquer menção ao trabalho louvável de recuperação do Franca Basquete, liderado por Luiza Helena Trajano e que poderia servir de exemplo para clubes de quaisquer modalidades em todo o Brasil. Nada disso mereceu uma palavra sequer do hoje palestrante motivacional Oscar Schimdt.

Neste sábado, diante da fortíssima repercussão negativa, Oscar Schimdt se desculpou. Primeiro, via declaração encaminhada por sua assessoria de imprensa. Horas depois, em um vídeo. “Oi, pessoal de Franca. Estou passando por aqui para pedir mil desculpas a todos de Franca. Minha intenção nunca foi magoar ninguém, ainda mais agora que vocês ganharam o campeonato mundial. Não dá para festejar um título mundial com o meu comentário. O comentário foi bem infeliz, e assim, eu peço desculpas a todos de Franca. Se nossas cidades fossem igual a de vocês, tenho certeza que o nosso basquete seria bem melhor. Eu tenho certeza disso. Não é nem um comentário, é a verdade. Então, desculpas.”

Na entrevista, Oscar diz que costumava conversar com Deus. “Falar com Deus é momento de extrema concentração”, ensina. Não sei se ele tem tido muitas dessas conversas ultimamente, mas seria oportuno que voltasse a fazê-lo com mais frequência. Quem sabe encontre em Deus a temperança e generosidade que parecem faltar em sua alma. Sempre dá tempo.

Também seria proveitoso que ele dedicasse um par de horas a ler alguns poemas de Alberto Caeiro, heterônimo do grande e imortal Fernando Pessoa. Um deles, em especial: “O Tejo”. Ali, Pessoa/Caeiro ensina: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. É tão simples quanto belo – e verdadeiro.

Franca pode não encantar Oscar. Pode não ter as belezas naturais do Rio de Janeiro. Certamente não é cosmopolita como São Paulo ou as cidades que sediam as equipes da NBA. Não tem a milenar história da Europa onde ficam os clubes que defendeu em parte da sua carreira.

Ainda assim, para quem é de Franca, a cidade é a mais bela do mundo, com suas muitas virtudes - e aqui não seria demais lembrar, além do basquete, também do calçado, do café, da Faculdade de Direito e outros cursos que hoje projetam a cidade como centro universitário, dos seus escritores, das duplas sertanejas que conquistaram o Brasil, das empresas nascidas em Franca que são referência no mundo, do clima, da sua gente - e apesar dos seus defeitos. Singelamente, porque Franca é meu lar e de quase 400 mil pessoas. Respeitar isso é o mínimo que se espera. De Oscar, na sua versão homem ou lenda. E de qualquer um.

Corrêa Neves Jr é jornalista e CEO da Sampi.net.br, a maior rede de notícias baseada no interior. Este artigo é publicado simultaneamente nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCnet), Campinas (Sampi Campinas), Jundiaí (Jornal de Jundiaí), Piracicaba (JP), São José dos Campos (OVALE) e edição Nacional, todos afiliados à rede Sampi de Portais.