“Prosa seguida de odes mínimas” é um livro curioso. Escrito pelo poeta José Paulo Paes (1926/1998), e publicado em 1992, o livreto é preciosidade para se guardar naquelas gavetas da afeição. Na primeira parte, a seção da “prosa”, o autor se dedica a recuperar na memória cenas e personagens de sua história. Avesso ao sentimentalismo, relembra com lirismo peculiar episódios da infância e juventude, amigos e familiares. Como o retrato do pai, pintado em versos livres: “(...) Até o dia em que tive de ajudar/a descer-lhe o caixão à sepultura./ Aí então eu o soube mais que ausência./ Senti com minhas próprias mãos o peso/ do seu corpo, que era o peso/Imenso do mundo. Então o conheci. E conheci-me./ Ergo os olhos para ele na parede./ Sei agora, pai,/o que é estar vivo”.
Rememora o avô querido, dono de uma tipografia e livraria, ponto de encontro de muita gente na cidade do interior paulista (Taquaritinga, na primeira metade do século passado): “Já o conheci de bigodes encanecidos, definitivamente avô (...)”. Aparece também uma saudação a Oswald de Andrade, ícone da poesia brasileira, mas também um encrenqueiro de primeira, cheio de desafetos.
No começo da década de 1950, com outros jovens colegas de ofício, José Paulo foi visitar o bardo, na época relegado ao esquecimento. Na parte das odes, os temas são variados. Como se sabe, ode é um poema geralmente elogioso, caracterizado não pelo formato (pode ser grandão ou miúdo), mas pelo tom de exaltação e entusiasmo. Como o título sugere, José Paulo optou por odes pequenas, de temática variada, carregadas de ironia e humor. Como aquela dedicada aos shopping center, templos contemporâneos religiosamente lotados dia a dia por devotos fieis: “Pelos teus círculos/ vagamos sem rumo/nós almas penadas/do mundo do consumo/Do elevador ao céu/pela escada ao inferno:/os extremos se tocam/No castigo eterno./Cada loja é um novo/prego em nossa cruz./ Por mais que compremos/estamos sempre nus./Nós que por teus círculos/ vagamos sem perdão/ à espera (até quando?)/ da Grande Liquidação.”
Poeta, ensaísta, tradutor, editor de livros, José Paulo Paes foi um dos grandes intelectuais brasileiros do século passado. Nascido em Taquaritinga, estudou química industrial em Curitiba. Formado, empregou-se numa indústria farmacêutica. Dividiu o tempo entre o laboratório, a produção poética e a tradução. Verteu obras do francês Paul Éluard, do grego Konstantinos Kaváfis, dos italianos Aretino e Leopardi, do inglês Wystan Auden. Foi também editor de livros. Sua atuação à frente da editora Cultrix foi notável, trazendo para o público universitário brasileiro obras de referência nas áreas de literatura e linguística. Aposentado da indústria química e da editora, passou a dedicar-se em tempo integral à literatura. Ensaísta reconhecido, crítico literário, escreveu a respeito de tradução, de autores “esquecidos”, dos clássicos, de jovens talentos contemporâneos. Publicou ainda livros para crianças (“É isso ali” e “Poemas para brincar”). O sujeito trabalhou muito e legou imenso patrimônio para a cultura brasileira. Evoé, mestre José Paulo.
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)