Atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB) chegou a ser arrolado como testemunha de defesa durante as investigações do 'Caso Kalume', como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980 em Taubaté.
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Concluído apenas em 1996, o inquérito da Polícia Civil apontou que quatro médicos foram responsáveis pelas mortes de quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic (Hospital Santa Isabel de Clínicas), que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Nascido em Pindamonhangaba em 1952, Alckmin formou-se em 1977 pela então Faculdade de Medicina de Taubaté. No depoimento, disse que conhecia os quatro médicos acusados pelos crimes - Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, Mariano Fiore Junior, Pedro Henrique Masjuan Torrecillas e Rui Noronha Sacramento.
No depoimento, Alckmin ressaltou que não estudou com os médicos e que ficou "sabendo dos fatos narrados na denúncia pelos jornais". "Desconheço qualquer fato desabonador na conduta dos denunciados, inclusive alguns deles foram professores na Faculdade de Medicina, trabalham na região há anos como profissionais, sempre como médicos, e ao que me consta todos gozam de elevado conceito profissional".
Quando as mortes ocorreram, entre setembro e dezembro de 1986, Alckmin era deputado estadual. Pouco depois, em fevereiro de 1987, assumiu como deputado federal, cargo que ocupou até o fim de 1994. No Congresso Nacional, foi relator de um projeto sobre doação de órgãos. No depoimento, prestado após assumir como vice-governador, em 1995, Alckmin frisou que havia sido "arrolado como testemunha de defesa" por causa do projeto e que daria testemunho "sobre a conduta dos médicos", pois não tinha "conhecimento" sobre os crimes atribuídos aos profissionais.
Políticos.
Alckmin não foi o único nome político a prestar depoimento no caso. O outro foi o também médico Adib Jatene, que foi ministro da Saúde em 1992 e de 1995 a 1996, nos governos dos ex-presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
No depoimento, Jatene afirmou que não se recordava de, enquanto ministro, "ter emitido opinião sobre casos de nefrectomias unilaterais em pacientes comatosos internados" no Hosic, "com a finalidade de transplantes renais".
O depoimento do ex-ministro focou principalmente em questões técnicas, como a legislação sobre transplantes de órgãos e a configuração da morte encefálica.
Caso Kalume.
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes. O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado. Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão. Eles diziam ser inocentes e afirmavam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia. Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Processo.
Os médicos recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuaram com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.
Em setembro de 2024, após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, em outro processo, que condenados por júri popular podem ser presos imediatamente, a família de Alex de Lima pediu a prisão dos três médicos que ainda continuavam vivos.
Após concordância do MP, o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, expediu os mandados de prisão no dia 14 de outubro. Três dias depois, um dos médicos, Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, que tinha 70 anos, morreu em uma chácara da família, em Indaiatuba. Com isso, o processo foi extinto com relação a ele.
Passados mais de dois meses, os outros dois médicos - Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior - continuam foragidos. As defesas de ambos pedem que ou os mandados de prisão sejam anulados ou que os médicos possam cumprir a pena em prisão domiciliar, mas até agora essas solicitações foram negadas em todas as instâncias.