DANOS REAIS

Impacto do celular nas escolas é evidente, diz especialista

Por Laura Mattos | Folhapress
| Tempo de leitura: 7 min
Reprodução/Instagram
Zack: embora os smartphones possam ser úteis para a aprendizagem, seu potencial de distração é fato
Zack: embora os smartphones possam ser úteis para a aprendizagem, seu potencial de distração é fato

Não é um saudosista da era analógica, mas um entusiasta da inteligência artificial - um dos executivos da OpenAI à época do lançamento do ChatGPT - quem defende que "há fortes evidências" para limitar, senão banir, os celulares nas escolas.

Zack Kass, 37, trabalhou por 14 anos com empresas dedicadas à IA. Quando o ChatGPT foi lançado pela OpenAI, em 2022, ele atuava na empresa como diretor de GTM (Go-To-Market), área responsável pelas estratégias de lançamento e posicionamento de produtos. Com a explosão do ChatGPT, tornou-se consultor e palestrante entusiasmado sobre o futuro da tecnologia e da IA.

Kass esteve em São Paulo em junho para participar de um evento realizado pela Arco Educação, um dos maiores grupos de sistemas de ensino do país.

Nesta entrevista, além de falar sobre os prejuízos dos smartphones ao aprendizado e à saúde física e mental de crianças e jovens, ele afirmou que o livro impresso tem ainda um papel importante para reduzir o tempo de tela e para ajudar os estudantes a se concentrarem. Defendeu, naturalmente, a IA e o ChatGPT como ferramentas de aprendizagem, mas também apontou seus riscos.

Folhapress - Da expectativa inicial que os senhores tinham sobre o impacto do ChatGPT na educação, o que se confirmou e o que tomou um rumo que não previam?

Zack Kass - Foi confirmado que o ChatGPT pode fornecer um apoio significativo na aprendizagem, ajudando os alunos com tudo, desde deveres de casa até a prática de idiomas.

O que me surpreendeu foi a velocidade e a extensão de sua adoção, bem como a criatividade mostrada pelos educadores ao integrá-lo em seus métodos de ensino.

Por outro lado, eu não antecipei completamente os desafios que ele traria, como as preocupações com a honestidade acadêmica e a necessidade de mudanças substanciais nos métodos de avaliação para garantir uma aprendizagem genuína e o desenvolvimento de habilidades.

Uma preocupação do senso comum é com o uso do ChatGPT para fazer trabalhos escolares, redações, provas etc. É um problema menor ou devemos nos preocupar?

Zack Kass - É uma preocupação significativa se não atualizarmos as metodologias de aprendizagem e avaliações. Embora o ChatGPT possa ajudar na aprendizagem, depender dele para fazer trabalhos escolares prejudica o processo educacional.

Se atualizarmos os métodos pedagógicos e nos concentrarmos em pensamento crítico, resolução de problemas e na capacidade de apresentar o trabalho, o ChatGPT vai, com o passar do tempo, se parecer cada vez mais com uma calculadora ou uma enciclopédia.

Avaliações em sala de aula e tarefas complexas para casa podem ajudar a garantir que os alunos aprendam. Os educadores devem enfatizar a importância de usar o ChatGPT como ferramenta de aprendizagem, e não como atalho para fazer tarefas.

Uma preocupação mais ampla em relação ao ChatGPT e à IA como um todo é que estamos inserindo na sala de aula, para crianças e adolescentes, ferramentas de empresas que não são transparentes sobre processos, algoritmos e uso de dados. Ao mesmo tempo, a sensação é de que a adoção dessas ferramentas não vai esperar até que essas questões estejam resolvidas, mesmo porque a batalha por transparência e regulação enfrenta o forte lobby das big techs, pouco transparentes sobre a maneira como os algoritmos interferem no debate público. Como o sr. analisa esse impasse?

Zack Kass - Transparência e privacidade de dados são cruciais, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes. Embora seja desafiador equilibrar a adoção de novas tecnologias e garantir práticas éticas, não é impossível.

Precisamos de regulamentações e padrões mais fortes para transparência e proteção de dados em ferramentas educacionais. Enquanto isso, educadores e formuladores de políticas devem priorizar ferramentas de empresas que demonstrem um compromisso com esses valores.

A colaboração entre governos, educadores e empresas de tecnologia é essencial para criar um ambiente de aprendizagem digital seguro e transparente.

Em São Paulo, temos um governo que centra esforços em plataformas digitais para a educação. No ano passado, o governo tinha um plano de substituir os livros didáticos impressos por materiais 100% digitais, mas teve que recuar devido a reações negativas da sociedade. Como o sr. vê esse caminho mais digital, considerando o uso excessivo de tela na infância e na adolescência e a atenção fragmentada que isso gera, além do fracasso do ensino a distância na pandemia?

Zack Kass - Embora as plataformas digitais ofereçam flexibilidade e acesso a uma vasta quantidade de informações, a transição precisa ser equilibrada. Os livros impressos ainda desempenham um papel importante na redução do tempo de tela e na ajuda aos alunos para se concentrarem.

A pandemia mostrou-nos que o ensino digital, embora valioso, não pode substituir completamente os métodos tradicionais.

Uma abordagem híbrida que combine o melhor dos dois mundos --recursos digitais pela sua interatividade e atualidade, e livros impressos para estudo focado e redução da fadiga visual-- pode ser o caminho mais eficaz.

O governo de SP já implementou várias plataformas digitais nas escolas, como sistemas de IA para correção de redação e avaliação de fluência em leitura. E o ChatGPT está sendo usado para produzir aulas. O que acha dessas ferramentas?

Zack Kass - Os sistemas de correção de redação baseados em IA podem fornecer feedback imediato, ajudando os alunos a aprender com seus erros mais rapidamente.

As ferramentas de avaliação de fluência em leitura são fantásticas para diagnóstico precoce e intervenção, garantindo que os alunos não fiquem para trás em habilidades cruciais.

Usar o ChatGPT para produzir aulas pode ajudar a diversificar os materiais e torná-los mais envolventes.

No entanto, essas ferramentas devem complementar, e não substituir, o toque humano dos professores. Os professores fornecem nuances críticas e apoio emocional que a IA atualmente não pode replicar.

Há críticas à decisão do governo de focar a tecnologia. Uma delas é que essas ferramentas não captam a subjetividade. Um exemplo hipotético: elas não entendem o cuidado que se deve ter ao corrigir uma redação sobre violência doméstica de um aluno que vive isso, sem falar da oportunidade que a correção humana poderia trazer para o aluno receber apoio. As nuances de relacionamento da turma, seus interesses e aspectos culturais não são captados pelo ChatGPT. O que acha disso?

Zack Kass - Essa é uma preocupação válida. Embora as ferramentas de IA possam oferecer eficiência, carecem da inteligência emocional e da compreensão contextual que os professores humanos trazem. Para tópicos sensíveis como violência doméstica, o elemento humano é insubstituível.

Os educadores precisam estar vigilantes e usar a IA como uma ferramenta de apoio, e não como um substituto. Integrar a IA na sala de aula deve liberar tempo dos professores para se concentrar nesses aspectos cruciais do bem-estar e do desenvolvimento dos alunos.

Folha - Temos dois problemas comuns não só em SP, mas em todo o país: a conectividade escolar não é ideal e faltam computadores para os alunos. Os professores reclamam que, com a pressão do governo para o uso das plataformas, estão sendo obrigados a pedir aos alunos que usem seus celulares. E, com um celular na mão, o aluno tem a atenção roubada pelas redes sociais, jogos etc. Como resolver isso?

Zack Kass - Melhorar a conectividade e fornecer dispositivos adequados devem ser prioridade. No curto prazo, criar atividades digitais que minimizem as distrações pode ajudar.

Além disso, ensinar alfabetização digital e habilidades de autorregulação é crucial, para que os alunos aprendam a gerenciar o uso de seus dispositivos de maneira responsável. Estabelecer diretrizes claras e incorporar períodos de aprendizagem sem dispositivos também pode ajudar a manter um equilíbrio.

Em vários países, as escolas estão banindo o uso dos celulares com base em pesquisas sobre seus danos para a aprendizagem e a saúde física e mental. Além da sala de aula, no recreio, pesquisas mostram que os smartphones estão dificultando o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e causando sedentarismo. O sr. concorda que as escolas devem ser ambientes livres de celulares?

Zack Kass - Há fortes evidências para apoiar a limitação do uso de celulares nas escolas, senão a proibição completa. Embora os smartphones possam ser ferramentas úteis para a aprendizagem, seu potencial de distração e impacto negativo no desenvolvimento social e emocional é significativo.

Implementar períodos ou zonas sem celulares nas escolas pode ajudar os alunos a se concentrar e a se envolver mais com o aprendizado e colegas. Incentivar interações presenciais e atividades físicas no recreio pode promover um ambiente escolar mais saudável e equilibrado.

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