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Novo premiê da Escócia é 1º não branco e muçulmano no cargo

Yousaf, 37, foi empossado nesta quarta-feira (29), em uma tradicional cerimônia escocesa.

Por Ivan Finotti | 31/03/2023 | Tempo de leitura: 4 min
da Folhapress

Reprodução/The Scottish Government/Facebook

Na cerimônia, ele vestia um traje típico do Sudoeste Asiático chamado shalwar kameez.
Na cerimônia, ele vestia um traje típico do Sudoeste Asiático chamado shalwar kameez.

Menos de seis meses depois de o conservador de ascendência indiana Rishi Sunak ser eleito premiê do Reino Unido - nação formada pelos países da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte -, chegou a vez do descendente de paquistaneses Humza Yousaf assumir a chefia do governo da Escócia.

Yousaf, 37, foi empossado nesta quarta-feira (29), em uma tradicional cerimônia escocesa quebrada pelo ineditismo de ele ser o primeiro homem não branco a assumir o cargo - assim como havia sido o caso de Sunak no ano passado. O novo primeiro-ministro escocês também carrega o título de primeiro muçulmano a se tornar líder de uma nação ocidental.

Na cerimônia, ele vestia um traje típico do Sudoeste Asiático chamado shalwar kameez. Sua esposa, ao lado dos filhos do casal, chorou no início do evento.

Yousaf jurou lealdade ao rei Charles 3º na cerimônia, cumprindo mais uma formalidade do ritual obrigatório. Ele chega ao cargo carregando a bandeira da independência da Escócia, interrompendo uma união política - que sempre pendeu mais para o lado inglês - que já dura três séculos. Também pretende levar seu país de volta à União Europeia, à revelia do Reino Unido e seu brexit.

"Seremos a geração que entregará a independência da Escócia", disse ele na segunda-feira (27), no discurso de vitória da eleição como líder do social-democrata Partido Nacional Escocês (SNP), o maior do país. "Onde há divisões para curar, devemos fazê-lo rapidamente porque temos um trabalho a fazer."

Ele anunciou um gabinete com seis mulheres e três homens, aliados próximos da ex-líder Nicola Sturgeon, que renunciou no mês passado. Do mesmo partido, ela era a primeira-ministra desde 2014.

Sturgeon também lutava pela meta independentista, mas não conseguiu quebrar a resistência do governo britânico, que bloqueou repetidamente a possibilidade de uma nova votação sobre o assunto - há nove anos, um referendo apontou 55% de preferência para deixar tudo como está.

Desde 1999, a Escócia tem um primeiro-ministro ("first minister") e um Parlamento, assim como Gales e Irlanda do Norte, mas seus poderes são limitados. Muitas questões importantes seguem nas mãos do primeiro-ministro ("prime-minister") e do Parlamento britânico.

Yousaf nasceu em Glasgow em 1985, após seus pais migrarem para a Escócia nos anos 1960. Segundo ele contou há alguns anos a um jornal da comunidade asiática na Escócia, o Holyrood, ele tinha apenas um colega pertencente à minoria étnica no ensino fundamental.

"Meu pai, que tinha uma ótima visão do futuro, disse que vivíamos em uma época em que precisávamos de mais representatividade", afirmou ele ao jornal, lembrando da ocasião em que informou à família que pretendia seguir na política, e não nas tradicionais carreiras de advogado, médico ou contador.

Na Universidade de Glasgow, onde estudou ciências políticas, ingressou no SNP e tornou-se membro do Parlamento em 2011. Yousaf fala de si mesmo como tendo uma herança de "bhangra e gaita de foles", referindo-se à música folclórica tradicional do Punjab, região indiana na fronteira com o Paquistão. Já a gaita de foles dispensa maiores explicações.

Nas ilhas britânicas, indianos e paquistaneses sempre foram historicamente relegados a trabalhos braçais ou de segunda categoria. São relações provenientes da exploração colonial, já que a grande Índia ficou sob domínio britânico desde o século 18. Esse controle direto acabou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e, em 1947, o país foi dividido em três a partir da religiosidade de suas populações.

A noroeste, criou-se o Paquistão Ocidental (hoje apenas Paquistão), de maioria muçulmana, com 30 milhões de pessoas, e, ao leste, o Paquistão Oriental, também muçulmano, com outros 30 milhões (hoje Bangladesh). No meio, ficou a Índia, de religiões hindu e sikh e seus então 330 milhões de habitantes.

Assim, imigrantes dessas regiões lutam há mais de cinco décadas contra o racismo e o preconceito nas ilhas - assuntos que raramente são discutidos de forma profunda no ambiente político do reino. Na Escócia, há menos de 1% de paquistaneses entre a população local, e cerca de 0,6% de indianos.

Mas Yousaf é apenas mais um exemplo de como os tempos mudaram nesses últimos anos. A ele se junta o chefe de governo da Irlanda, Leo Varadkar, abertamente gay e de família indiana, que iniciou há pouco mais de três meses seu segundo mandato no cargo mais importante do país. E o prefeito de Londres, Sadiq Khan, de origem paquistanesa, também reeleito para seu segundo mandato, em 2021.

Tudo isso contrasta enormemente com a política imigratória de Rishi Sunak, uma das mais agressivas da Europa, buscando intensificar deportações e anulando possibilidade de solicitação de asilo - sem falar no plano de enviar migrantes em situação irregular para Ruanda, a mais de 7.000 km de distância.

Já o partido de Humza Yousaf tem uma visão diferente: com um terço a mais de mortes do que de nascimentos ocorridos na Escócia em 2022, o SNP vê na imigração uma solução para a falta de mão de obra que atinge o país.

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