A pandemia e a internet atingiram em cheio os aluguéis comerciais nas cidades: instalações comerciais, edifícios, lojas e casas transformadas em comércio estão há alguns anos em stand by à espera de uma retomada do apetite do comércio e serviço. Com uma expectativa que não sabemos se retornará à loja física, a pandemia e o e-commerce em crescimento, sobram lojas e edifícios comerciais vazios. Uma pesquisa rápida na internet nos deu um resultado de 6.075 anúncios na cidade, fora os publicados no Modulinho.
O e-commerce cresce de maneira fantástica e com evidentes lucros concentrados nas mesmas empresas, que investem agora em logística, com extensas áreas de distribuição de mercadorias, um fenômeno que fica cada vez mais patente em nossa região. Se por um lado distribuem empregos, por outro concentram riquezas, dispensam as lojas físicas e dão fôlego à compra virtual.
Em 2019 constatei que, com o aumento do volume de venda no comércio varejista, muitas lojas já estavam fechadas ou postas para alugar e também falei, naquela ocasião, que "lojas não são mais lojas, estão invertidas, são depósitos de mercadorias; e os fundos dos estoques são vitrines das lojas".
Nesse panorama aparecem as concentram rendas e lucros para as mesmas grandes empresas, consagrando uma desigualdade social, essa em crescimento exponencial. Esse movimento resulta um problema urbano de abandono e ausência de vida no Centro e nas áreas comerciais, cenário perfeito para receber o outro extremo, o lugar dos que não tem comida e nem recursos, os moradores em situação de rua e, evidentemente, serão multiplicados em proporções cada vez maiores e consequências inesperadas para todos.
Não se trata de nenhum julgamento. Minhas considerações são evidências de que atitudes devem ser tomadas para encarar com enfrentamentos devidos e assertivos. Instrumentos de ordenamento territorial estão desgastados em função das classificações de zoneamento, que não correspondem mais à realidade dos nossos dias. Planos diretores estão em xeque, áreas comerciais centrais estão evidentemente em decadência e abandono, bancos que foram as catedrais da economia pujante estão fechados, num panorama cinzento que não lembra o auge da economia do século 20.
As sedes abandonadas desses bancos que tanto enriqueceram, poderiam ser reprojetadas para ações sociais que, coincidentemente, localizam-se no Centro da cidade, onde todos os que têm fome vão parar. "Morar debaixo da ponte" era o jargão para quem não tinha onde morar, por ironia, o acolhimento que se dá na cidade aos moradores em estado de rua, também é debaixo de um viaduto, como é o caso do SOS.
O alerta vermelho para essas transformações já está acontecendo com manifestações de moradores que veem, em seus bairros, alterações tortas e extemporâneas em mudança dos usos residenciais nos bairros para comercial, e que, em geral, não são considerados nem por vereadores nem pelos órgãos técnicos que, cumprindo as leis, ignoram suas reivindicações.
Há alguns anos, os moradores do Jardim Brasil tiveram uma atitude que, na época, consideravam elitista e até inconstitucional, mas agora fica claro que são guarnecidos de verdade e acerto. Ali, o comércio está controlado da maneira que, hoje, está acontecendo em qualquer casa, com suas novas múltiplas funções, cumprem de sobra as demandas contemporâneas, assim permanece o conjunto das moradias preservadas, bem como seus jardins. Uma ilha verde ao lado do que vem sendo foco dos problemas que assistimos. Da mesma forma, no Jardim Ana Maria isso aconteceu, apesar de inúmeras incorporações vizinhas que removeram a vista para a Serra do Japi, tanto de quem ali mora como de quem por ali passeiam.
A pandemia mostrou que o morar ampliou a função da casa, no mesmo espaço se concentra tudo: escola, trabalho home office e comércio, cozinha, dormitório, serviços bancários e lazer. Usos residenciais mais consolidados precisam ser respeitados e incrementados. Não tem como ampliar usos comerciais dentro de bairros que cumprem muito bem a sua condição de residencial, as características de comercio estão em movimento e mudanças radicais haja visto o que mostramos aqui no centro. Alterações de uso comercial para residencial estão cada vez mais consideradas no pensamento urbanístico.
EDUARDO CARLOS PEREIRA
é arquiteto e urbanista