Era para eu ser anestesista. Pouca gente sabe, mas entrei na faculdade de medicina já com a ideia de fazer acupuntura, que era fonte da minha curiosidade e estímulo de estudar o corpo humano. Dentro da faculdade, temos contato com todas as áreas médicas e, na época, resolvi que faria uma “clássica” para depois “migrar” para a minha “amada” especialidade.
Eu almejava fazer residência em anestesiologia (esse é o nome correto da especialidade) no Hospital São Paulo, sob a direção da Escola Paulista de Medicina, migrando no último ano para o grupo de acupuntura que já existia lá, na época. Este era o plano e o meu foco.
Lembro que estudei muito para conseguir passar. Havia um livro de condutas e tratamentos para a maioria das doenças, editado pela aquela faculdade, mais de 600 páginas, que eu li inteiro! Estava realmente determinado.
Fiz exercícios de meditação, respiração e todos os recursos que eu conhecia na época. Lembro que eu estava tão seguro de conseguir meu intento que, em um final de semana, fui com minha namorada (que depois viria ser minha esposa) procurar apartamentos por perto do hospital para morar durante o período em que estudasse lá.
Resumo da história? Lá vai: Havia seis vagas disponíveis para aspirantes-anestesistas naquele ano e eu “peguei” a sétima colocação no concurso. A porta fechou bem no “meu nariz”.
Claro que foi uma decepção enorme. Senti-me desolado, frustrado, um incompetente. Levei muito tempo para me “soltar” do evento e seguir a minha vida em frente, pois a todo momento eu ficava pensando em tudo que “poderia ter sido”, mas nunca se concretizou. Eu mentalmente revisava tudo o que eu investi, em tempo e esforço, para que aquele “caminho” se abrisse para mim, sem entender “onde eu tinha errado”.
A continuação da história, como vocês já devem supor, é que eu tive que trabalhar como clínico para me sustentar e, neste período, comecei os meus estudos na acupuntura antes do planejado, despertando a minha verdadeira vocação e me direcionando para que eu chegasse aqui, onde estou hoje, de maneira muito mais rápida.
“Está vendo, Alexandre? Há males que vêm para o bem” – certamente o pensamento brotou na cabeça de alguns. Diria que compreendo bem essa linha de pensamento, mas não posso me esquecer que o luto pela perda da minha escolha profissional foi um dos mais difíceis que eu já passei e não sei se o teria superado facilmente caso uma nova carreira não se apresentasse para mim tão prontamente.
No entanto, o que eu quero enfatizar é que, bom e ruim, agradável e desagradável, caminho para “mais potencial de vida” ou caminho para “menos” do mesmo potencial, este evento compreende os dois, ao mesmo tempo. Morte e Vida andam sempre de mãos dadas.
Por vezes, o que é mais visível é a face mais luminosa, que provoca alegria, outras vezes é o outro lado que se mostra, demandando tristeza e luto. No entanto, o caminhar na vida é uma dança de luz e treva, misturados, entrelaçados e, mais importante, indissociáveis.
O avançar de um passo tem implícito o abandono do solo firme e seguro onde, outrora, o pé repousava para nunca mais ser novamente pisado. Claro, que em uma caminhada de quilômetros, não temos tempo e nem razão para sentir o drama que descrevi, mas nem por isso ele deixa de ocorrer. Talvez aí achemos uma segunda lição: qualquer que seja o rosto que se apresente para nós, saibamos que ele é passageiro e que, por vezes, a maior valia está em concentrar-se no progresso do que na trajetória.
Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia