Eu discuto o tema "felicidade no trabalho" há décadas, desde que implantei ações nas Lojas Americanas voltadas a tornar a vida das pessoas e o clima organizacional melhores. Há 30 anos, não conhecíamos o conceito com esse nome — hoje tão comum. Eu também não tinha, naquela época, o que existe agora: pesquisas, livros, estudos e até empresas, como o Grupo Heineken, que criou uma Diretoria de Felicidade.
O que eu tinha era um forte ímpeto por resultados e uma intuição profunda: a certeza de que gente feliz cria mais e é, como dizemos hoje, engajada — aquilo que qualquer time deseja. Intuição e empirismo eram, aos meus 23 anos, o que mais me guiava. Mesmo tão jovem, o que importava para a rede de lojas eram os resultados que minha equipe e eu conseguíamos por meio das ações de felicidade.
Por essa confiança — e pelos resultados — fui pioneiro em trazer o teatro-treinamento às salas das Lojas Americanas, uma metodologia que ajudou a transmitir mensagens e ensinamentos aos associados (como chamávamos os colaboradores). Naquele período de automação e qualidade total, com a meta de atingir 200 lojas até o ano 2000, não seria possível conquistar tantas pessoas usando as metodologias de sempre. Criatividade, teatro e olhar humano venceram. Tornamo-nos referência em teatro-treinamento no Brasil.
Eu também não sabia o que era endomarketing, mas o implantei assim mesmo para divulgar metodologias, recados e notícias em todas as lojas do país: fitas K7, jornais internos, comunicados nos banheiros e outras ações que se tornaram nosso endomarketing — mesmo antes de sabermos esse nome.
Mas uma coisa eu sabia como ninguém naquela empresa: felicidade dá retorno. Não apenas financeiro, mas para o corpo e a mente. Gente feliz é saudável. Nada é pior, física ou emocionalmente, do que a reclamação constante, a murmuração, o "ir trabalhar se arrastando". E nada é melhor do que a felicidade de entender a relevância que o trabalho tem. Gente feliz é mais resistente.
"O cansaço a gente tira com uma boa noite de sono", eu dizia às pessoas das Lojas Americanas. "Infelicidade, não."
Eu não era um catedrático ou especialista em RH — mas era doutor na convicção de que gente feliz é outro papo.
Sou prova viva dos efeitos da felicidade no trabalho. De lá para cá, estudei bastante, tornei-me professor de RH e temas voltados à formação de líderes. Mas algo não mudou: o coração das pessoas. Quem toca um coração conquista engajamento. Porque um dos segredos da felicidade no trabalho é a atenção que essa pessoa recebe da liderança e dos seus pares.
Depois, deixei as Lojas Americanas para montar minha empresa de treinamento. Queria levar essa metodologia para outras organizações — e é o que faço desde então.
Hoje, o tema é amplamente discutido e muito mais aceito, sobretudo pela questão da saúde mental e pelo peso que a NR-1 tem. Mas felicidade no trabalho não serve apenas para evitar doenças. Serve para que as pessoas compreendam os benefícios do trabalho que têm. Entender o porquê e, mais ainda, o valor que todo trabalho possui. Todo trabalho importa. Todo trabalho traz felicidade quando sua importância é compreendida.
Por isso escrevi o livro Motivos para Ser Feliz no Trabalho que Tem, no qual discuto felicidade, gratidão e propósito — não doença.
Para mim, felicidade no trabalho começa com levar as pessoas a entenderem o significado que o trabalho tem e representa. Depois, fazê-las perceber seu papel de protagonistas. Um parafuso fabricado, um "bom dia" de uma recepcionista, uma limpeza bem-feita, a decisão de um CEO — tudo cria relevância. Todo trabalho traz felicidade.
Em 1994, enfrentei pesquisas que afirmavam que mais de 70% das pessoas eram infelizes no que faziam. Eu respeito pesquisas sérias, claro, mas aquilo me parecia demais. Seria inviável uma empresa se manter com 7 em cada 10 funcionários infelizes. Que cliente suportaria isso?
Decidi fazer minha própria pesquisa interna nas Lojas Americanas para confirmar minha desconfiança: as pessoas não podem ser tão infelizes assim. E o resultado veio. A "conta" que muitos mandavam para o trabalho pagar — a conta das insatisfações — se desmembrou. Parte da infelicidade estava ligada às frustrações pessoais: relações, sonhos não realizados... não à empresa. Era o que Sigmund Freud chamou de transferência.
Eu estava certo: a porcentagem de pessoas realmente infelizes com o trabalho praticamente desaparecia.
Minha equipe e eu conseguimos — usando agora uma palavra em alta — ressignificar tudo aquilo.
Não é verdade que 7 ou 8 em cada 10 pessoas são infelizes no trabalho. É claro que toda empresa tem pontos a melhorar, pessoas a desenvolver, líderes a preparar e espaços de empatia a ampliar. Toda empresa viva tem desafios. Assim como famílias e sociedades têm. Mas dizer que 80% é infeliz não é verdade. E até hoje pesquisas insistem nesses números alarmantes.
Mais que gente infeliz, existe gente não ouvida. Não é o sintoma que deve ir para as pesquisas, mas a causa. E elas são profundas, como descobri há mais de 30 anos. Não estão relacionadas somente ao trabalho.
Continuo firme na constatação: a infelicidade de muita gente não está totalmente ligada ao trabalho, mas a questões pessoais, emocionais e psicológicas — que, sem ajuda externa (como a que promove o time da Heineken), dificilmente seriam trabalhadas.
Se eu fosse dar um passo a passo para despertar felicidade no trabalho, diria que o primeiro é ajudar as pessoas a enxergarem as causas de suas insatisfações. Tratar cada assunto separadamente. Caso contrário, vira somatização — e o trabalho leva a culpa.
Depois, trazer à memória a relevância do trabalho de cada um: o trabalho é meio para realizações, sustento, dignidade. É fonte de identidade e propósito. É o meio que alimenta as pontas.
Felicidade no trabalho começa com ouvir as pessoas e mostrar a elas o que já têm: um trabalho e um norte.
E por que pessoas felizes produzem mais? Porque não trabalham apenas por dinheiro, mas por propósito, significado e construção.
Quando o assunto é felicidade no trabalho, se melhorar, melhora.
Estamos entrando em uma nova era do trabalho. Era sobre a qual discuto e pratico desde 1994, quando centenas de associados das Lojas Americanas experimentaram um dia a dia com propósito — um dia de trabalho feliz, apesar dos percalços que existem em toda empresa.
O trabalho é um bom lugar para ser feliz.
Marcelo Possidônio é especialista em T&D, liderança e felicidade no trabalho. Formado em RH, pós-graduado em Psicologia das Organizações e autor de diversos livros.
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