05 de dezembro de 2025
OPINIÃO

As navegações de Pessoa


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Fernando Pessoa (1888/1935) foi um dos maiores poetas da língua portuguesa. Criou heterônimos com os quais publicou obras muito diferentes entre si. Cada heterônimo era um autor com estilo próprio e pontos de vista distintos. Inventou biografia e até desenhou mapa astral de seus “eus”. Foi um e outros ao mesmo tempo. Dos assuntos de sua obra multifacetada e original, por ora cito as navegações portuguesas. Em seu livro “Mensagem”, publicado em 1934, aparece um de seus trechos mais conhecidos (“tudo vale a pena se a alma não é pequena”, do poema “Mar português”). O livro propõe leitura mítica da história de Portugal, falando de personagens que comandaram o reino ou se meteram em empreitadas que fizeram desse pequeno país ibérico um império estendido pela América do Sul, África e Ásia. Lembre-se de que os portugas tiveram territórios até na China (Macau) e ao sul da Indonésia (o Timor Leste). Espalharam-se pelo mundo.

Dessa aventura marítima na voz de Pessoa destaco dois personagens, o rei dom Dinis (1261/1325) e o príncipe dom Henrique (1394/1460). Dinis foi também poeta, conhecido como “o rei trovador”, autor de cantigas. Do seu longevo reinado de cerca de 40 anos, Pessoa relembra a plantação dos pinhais de Leiria, executada por ordem do rei. Desse bosque, mais de um século depois, foi retirada parte da madeira para construir barcos que singraram os oceanos. O rei não viu a colheita de seu plantio.

Dizem os versos de Pessoa: “Na noite escreve um seu Cantar de Amigo/O plantador de naus a haver/e houve um silêncio múrmuro consigo:/ é o rumor dos pinhais que, como um trigo/De Império ondulam sem se poder ver”. Nesses versos, o rei é chamado de “plantador de navios” que um dia serão construídos (as “naus a haver”). Segue o poeta: “Arroio, esse cantar, jovem e puro,/Busca o oceano por achar;/ E a fala dos pinhais, marulho obscuro,/É o som presente desse mar futuro,/É a voz da terra ansiando pelo mar”. O vento soprando nos pinheiros lembra o som do mar, o “marulho obscuro”. É um rio (o “arroio”) a caminho do mar. A imagem poética impressiona: as vozes do vento, do rio e da terra desejam o oceano a ser desbravado.

O poema “O infante” refere-se a dom Henrique, grande incentivador das navegações, e irmão do rei Dom Duarte: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” As navegações portuguesas nascem, de acordo com os versos, da junção da vontade divina com o sonho humano. “Deus quis que a terra fosse toda uma,/Que o mar unisse, já não separasse”. O mar deixa de ser obstáculo e transforma-se em estrada para chegar a territórios. “Sagrou-te e foste desvendando a espuma/ E a orla branca foi de ilha em continente”. A aventura marítima ampliou horizontes, deu a conhecer outros mundos.

“Clareou correndo até ao fim do mundo,/E viu-se a terra inteira, de repente,/Surgir, redonda, do azul profundo.” Por meio das navegações, tem-se mais uma prova de que moramos numa bolota (“redonda”). “Quem te sagrou criou-te português”. A nacionalidade do infante é mais uma obra de Deus. Pessoa glorifica os antepassados. Sua poesia quer moldar a História.

Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura