Por muitos anos acreditamos que o bruxismo era um simples problema dental. Uma mordida desalinhada, uma interferência na oclusão, uma tensão localizada. Mas a ciência moderna nos mostra que isso é apenas a ponta do iceberg: o bruxismo não nasce nos dentes, ele nasce no cérebro!
Hoje sabemos que o ranger e apertar dos dentes é, antes de tudo, um reflexo neuromuscular de um cérebro sobrecarregado. Quando a mente não sabe relaxar, o corpo procura caminhos para descarregar essa tensão acumulada e, infelizmente, os músculos mastigatórios se tornam um dos principais pontos onde essa sobrecarga aparece. O bruxismo é, portanto, o grito silencioso de um sistema nervoso em desequilíbrio.
Estudos em neurociência confirmam que os episódios de bruxismo estão relacionados a alterações em áreas cerebrais ligadas à regulação do estresse, do sono e do movimento involuntário. Pesquisas recentes apontam a participação de neurotransmissores como a dopamina na hiperatividade neuromotora que caracteriza o bruxismo. Ou seja, muito antes de aparecer nos dentes, o problema começa no sistema nervoso central, a materialização de uma possível sobrecarga.
E por que o cérebro entra nesse estado, você deve estar se perguntando? A resposta é simples e profunda: vivemos em modo de alerta contínuo, não vivemos? Excesso de demandas, telas, pressão emocional, falta de descanso verdadeiro e um cotidiano que estimula o nosso sistema nervoso simpático, que nos mantém em alerta, o tempo todo. Quando a mente está em vigília permanente, o corpo perde a capacidade de entrar em repouso real. O sono fica fragmentado, a recuperação diminui e o ciclo se retroalimenta. O bruxismo é apenas um dos sintomas dessa desregulação, ou melhor, dessa bagunça.
Por isso, abordar o bruxismo somente com placas de mordida ou correções dentais é tratar o efeito e não a causa. A visão contemporânea, alinhada aos achados da neurociência e da saúde funcional, amplia o olhar e mostra que o tratamento passa por reorganizar a vida como um todo. O sono é um dos pilares mais importantes. Dormir pouco, dormir mal, ter hábitos que ferem o ciclo circadiano ou viver constantemente estimulado à noite aumentam expressivamente os episódios de bruxismo. Pessoas que não conseguem alternar entre o estado de alerta e o estado de repouso tendem a sobrecarregar ainda mais a musculatura mastigatória durante o sono.
A alimentação também exerce papel fundamental. Dietas inflamatórias aumentam a excitabilidade neuromuscular e afetam a regulação hormonal do estresse. Já uma alimentação antiinflamatória, rica em nutrientes que acalmam o sistema nervoso, favorece o equilíbrio entre o sistema simpático e o parasimpático. O corpo bem nutrido tem mais capacidade de modular respostas exageradas, de se reorganizar.
Outro ponto essencial é compreender os gatilhos emocionais e fisiológicos do estresse. O bruxismo é frequentemente a manifestação periférica de um núcleo emocional que não encontrou espaço para ser processado. Entender como as emoções afetam o tônus muscular, a respiração e o sono é parte do processo terapêutico. E aqui entra na minha área e em um aspecto decisivo: o movimento.
O corpo foi feito para se mover e o movimento é uma das formas mais poderosas de modular o sistema nervoso central. Treinamentos posturais, respiração consciente, meditações, práticas de mobilidade, exercícios que regulam o sistema nervoso autônomo e até técnicas de relaxamento profundo têm efeito direto no controle do bruxismo. Caminhadas, treinos regulares e pausas voluntárias ao longo do dia reduzem o tônus simpático e ampliam a ação do sistema parasimpático, responsável pelo descanso, digestão, reparo e recuperação.
Em um mundo acelerado, o bruxismo se tornou um símbolo de como estamos vivendo. É um reflexo de que adoecemos pela urgência, pelo excesso, pela falta de pausas e pela pouca conexão com nossos próprios sinais internos. Quando entendemos isso, o tratamento deixa de ser apenas dental e passa a ser uma jornada de autorregulação, consciência corporal e reorganização dos hábitos, numa visão multidisciplinar e multifuncional.
Tratar o bruxismo é tratar o cérebro. E tratar o cérebro começa com sono de qualidade, alimentação equilibrada, manejo do estresse, conexão com o ciclo circadiano, exercícios que regulam o sistema nervoso e práticas que devolvem ao corpo a capacidade de relaxar.
A saúde integral não é um luxo. Ela é o caminho para silenciar o ranger que começa na mente e termina nos dentes. Porque quando o cérebro encontra repouso verdadeiro, o corpo volta ao estado de equilíbrio e o bruxismo finalmente diminui, e desta forma, podemos ter saúde e qualidade de vida.
Muita saúde a todos.
Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil