Está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto que propõe a adoção do voto distrital misto nas eleições gerais. Segundo a Folha de SP, o relator da proposta, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), classifica o modelo como “um remédio” contra a infiltração do crime organizado na política. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que pretende acelerar a tramitação para que a mudança possa valer já nas eleições de 2030. Analistas e políticos regionais, porém, discordam que a medida surtirá efeito.
“O principal trunfo do sistema distrital misto é o accountability, é você poder cobrar do seu representante, já que ele tem pertença com o território. Isso vai jogar um holofote sobre a eleição e só isso já afasta bastante as facções criminosas”, afirmou o deputado à Folha.
Para o doutor em Filosofia do Direito Walter Celeste, a proposta pode baratear as campanhas, mas também pode produzir efeitos indesejados.
“A ideia do voto distrital misto é baratear o processo eleitoral e gerar uma democratização, impedindo que grupos criminosos financiem seus políticos. Mas, no fim das contas, isso tem um efeito muito pequeno contra o crime organizado”, afirmou. “Veja o caso do Rio de Janeiro, por exemplo. Lá existe o domínio de grande parte do território por grupos locais, e o voto distrital favorece a proximidade do eleitor com o seu político. Isso pode reacender práticas antigas da política brasileira, como o voto de cabresto e o coronelismo”, completa.
Para Cíntia Vanessa, presidente do PSOL em Jundiaí, o modelo reforça desigualdades históricas e não enfrenta os fatores que permitem a entrada de grupos criminosos nas estruturas de poder. “O voto distrital misto parece democrático, mas na prática reforça o poder dos mesmos grupos econômicos que herdaram terras, sobrenomes e influência”, afirmou. Ela afirma que o crime organizado na política não se combate trocando o modelo de voto, e sim enfrentando a desigualdade, a corrupção e a ausência do Estado nos territórios. “A saída é fortalecer a democracia com regras justas: um único teto de gasto de campanha, o mesmo fundo partidário para todos e equidade que garanta paridade de gênero e condições iguais para quem sempre teve voz e para quem nunca teve chance”, ressalta.
Na avaliação de Antonio Carlos Albino, coordenador regional do partido Novo, o voto distrital misto não será suficiente para impedir a presença do crime organizado na política. “O crime organizado está inserido na maioria dos segmentos da sociedade, como transporte, saúde, educação, postos de gasolina e, claro, na política. Não é a mudança para o voto distrital misto que fará a diferença. Prefeituras abriram portas e agora é desafiador tirar”, disse. “O voto distrital misto é bom, pois cria mais relacionamento com os eleitores, mas nada que afete a atuação do crime organizado.”
O sistema distrital misto prevê a divisão dos estados em distritos geográficos. Parte das cadeiras seria ocupada pelos candidatos mais votados em cada distrito e a outra parte continuaria sendo distribuída proporcionalmente, conforme o total de votos obtidos por cada partido, assim como prevê o modelo atual.