Há decisões urbanas que, à primeira vista, parecem meros atos de manutenção ou de engenharia: retirar um monumento de um ponto e instalá-lo em outro. Mas, quando olhamos mais de perto, percebemos que essas decisões revelam muito mais sobre a alma da cidade e o modo como ela lida com o tempo, a memória e o convívio coletivo. É o caso da transferência do Monumento ao Descobrimento, instalado há cerca de 25 anos na Praça Governador Pedro de Toledo, no coração de Jundiaí, e que agora ganhará novo endereço no Parque da Cidade — ideia sempre defendida por mim e por outros amantes da cidade (cito aqui o fundamental sociólogo José Arnaldo de Oliveira).
A obra foi concebida e executada na gestão do então prefeito Miguel Haddad, como parte de um movimento de revitalização do centro histórico. O monumento simboliza então o espírito de um Brasil que, na virada do milênio, buscava conciliar modernidade e tradição, progresso e identidade. Representava, também, o desejo de deixar marcas visíveis de um tempo de crescimento, quando a cidade se projetava como um pólo urbano de cultura, serviços e inovação.
No entanto, com o passar dos anos, o monumento se tornou um ponto curioso no mapa afetivo da cidade. Admirado por uns, ignorado por outros, odiado por tantos, acabou adquirindo uma presença silenciosa, quase deslocada. Em uma conversa informal que tive com Miguel anos atrás, ele me disse algo que na época soou como uma reflexão pessoal, mas hoje parece uma espécie de prenúncio: “O monumento não deveria estar ali, no centro.”
A frase, dita sem arrependimento, mas com lucidez, revela a sensibilidade de quem entende que as cidades são organismos vivos — e que, como tal, mudam, crescem, respiram e pedem adaptações. O que um dia parecia o lugar ideal pode, com o tempo, se mostrar um ponto de tensão entre o espaço e o significado.
Por isso, a remoção do monumento não é, de forma alguma, um ato de esquecimento. Pelo contrário: é um gesto de cuidado e maturidade urbana. Ao liberar a Praça Governador Pedro de Toledo, a cidade devolve aos cidadãos um espaço mais livre, fluido e acolhedor, capaz de abrigar feiras, eventos, apresentações e, sobretudo, encontros. Afinal, uma praça é, antes de tudo, o território do convívio. E isso pede espaço, movimento e horizonte.
O Parque da Cidade, por sua vez, representa um novo contexto simbólico e estético para o monumento. Ali, ele poderá ser apreciado em sua dimensão artística e histórica, em meio à natureza e ao caminhar tranquilo de quem visita o local não apenas para passar, mas para permanecer. O parque, com seu ritmo mais contemplativo e familiar, oferece as condições ideais para que o monumento volte a ser olhado e não apenas atravessado.
A transferência cria, assim, uma espécie de reconciliação entre a obra e o olhar da cidade. O monumento não será esquecido; ao contrário, ganhará um cenário mais coerente com sua vocação simbólica. A praça, por sua vez, se tornará mais leve e funcional. A cidade ganha nos dois lados: preserva a história e abre espaço para o futuro.
Em tempos em que tanto se fala em “requalificar” os espaços urbanos, essa decisão simples, mas cheia de significado, mostra como é possível aliar preservação e renovação, memória e modernidade. O ato de mover um monumento deixa de ser apenas um trabalho de guindaste e cimento para se tornar uma declaração de princípios: Jundiaí e principalmente seu povo querem respeitar a história, mas não tem medo de reorganizá-la quando o tempo pede novos arranjos.
O Monumento ao Descobrimento continuará a contar a mesma história — só que agora de um ângulo mais bonito, respirando junto com a cidade que o inspirou. Porque as cidades que sabem mover suas memórias com sabedoria são também aquelas que sabem se reinventar sem se perder de si mesmas. E é isso que esperamos. Que assim seja...
Samuel Vidilli é cientista social