07 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Libertadores ou Brasileirão?


| Tempo de leitura: 3 min

Chegamos às semifinais da Copa Libertadores da América, com Palmeiras x LDU e Flamengo x Racing.

Cá entre nós: será que, ao longo do torneio, o nível técnico foi maior que o do Brasileirão?

Cerro Porteño, Central Córdoba, Bolívar, Táchira… Embora em algum momento essas equipes possam ter surpreendido (o Flamengo que o diga), mas se disputassem o Campeonato Brasileiro, estariam no topo ou na ponta de baixo da tabela?

Talvez possamos afirmar que jogar o Brasileirão, com mais clássicos e equipes mais técnicas, seja mais difícil (na qualidade do jogo). Só que a Libertadores têm outras nuances: a animosidade das torcidas, o racismo, a logística, a altitude, as arbitragens, o clima e “o dopping psicológico“.  Afinal, por ser um mata-mata, vale um pouco de tudo!

Assim, vencer o Brasileirão, no “jogo jogado”, é mais difícil. Vencer a Libertadores, com o extra-campo que envolve, fica mais complicado (pois, no “jogo jogado”, talvez seja de menor nível técnico).

Mas por que tanta paixão em conquistar a Libertadores?

Pelo fato de, através dela, ser o Campeão Mundial de Clubes. Mas isso nem sempre foi assim... Durante décadas, muitos clubes brasileiros demonstraram desinteresse pela competição, chegando a abrir mão de participar ou a tratá-la como secundária. O Brasil, embora tenha participado desde a primeira edição com o Esporte Clube Bahia, não demonstrou entusiasmo imediato.

Criada nos anos 60, a Libertadores não despertava paixão aos clubes do nosso país naquela época. Afinal, o futebol brasileiro vivia um momento de glória com as conquistas das Copas do Mundo de 1958 e 1962. Os clubes estavam mais voltados para competições nacionais e para o desenvolvimento de seus próprios torneios, como a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que mais tarde dariam origem ao Campeonato Brasileiro.

Um dos principais obstáculos era a infraestrutura. Viajar pela América do Sul nos anos 1960 e 1970 era extremamente complicado. Os deslocamentos eram longos, caros e desgastantes. Muitos jogos eram realizados em estádios com pouca segurança, gramados ruins e arbitragem questionável.

Além disso, os clubes brasileiros enfrentavam dificuldades com hospedagem, alimentação e até mesmo com a comunicação em países vizinhos. Isso tornava a participação na Libertadores um desafio logístico e físico. E outro fator que afastava os clubes brasileiros era a violência nos jogos fora do país. Partidas contra equipes argentinas, uruguaias e chilenas eram marcadas por clima hostil, agressões físicas, pressão da torcida e arbitragem tendenciosa. Muitos jogadores brasileiros relatavam episódios de intimidação, como apedrejamento de ônibus, invasão de campo e ameaças.

Essa atmosfera beligerante fazia com que a Libertadores fosse vista como uma “guerra”, e não como uma competição esportiva. Clubes e dirigentes preferiam evitar esse tipo de confronto, especialmente quando havia outras prioridades.

No Brasil, os jogos não eram transmitidos com regularidade, e a cobertura jornalística era limitada. O público também não via o torneio como algo relevante, já que o foco estava nos campeonatos estaduais e nacionais, que tinham maior tradição e rivalidade.

Sem apoio midiático e sem retorno financeiro expressivo, os clubes não viam sentido em investir tempo e recursos em uma competição que não gerava engajamento nem prestígio imediato.

Além disso, nos primeiros anos, a Libertadores não oferecia premiações significativas. Os custos de participação eram altos, e os clubes não recebiam retorno proporcional. Diferente da Liga dos Campeões da Europa, que sempre teve forte apoio comercial e midiático, a Libertadores demorou a se profissionalizar nesse aspecto.

Sem incentivo financeiro, os clubes brasileiros — que já enfrentavam dificuldades econômicas — não viam vantagem em disputar um torneio que exigia tanto esforço e oferecia tão pouco em troca. Para se ter ideia, nos anos 90, o Campeonato Paulista pagava mais do que a própria Libertadores.

Enfim: hoje, todos sonham em conquistar a Libertadores da América (e sejamos justos: fato que começou a mudar em 1992, com o São Paulo de Telê Santana). Mas... e se o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha ou o Palmeiras de Ademir da Guia, se tivessem levado o torneio mais a sério, teriam hoje quantas conquistas a mais em seus museus?

Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional