A escola de medicina redefine vários hábitos nossos, mesmo os mais triviais. Dentro do ambiente acadêmico, tudo tem uma função e um objetivo técnico para ser alcançado. Como exemplo posso citar o trivial “lavar as mãos”.
Alguns podem não acreditar, mas temos aulas sobre os gestos de lavar as mãos para obter o máximo de limpeza para situações como, por exemplo, uma cirurgia. Existem pesquisas que comprovam qual o número ideal de esfregadas com a esponja devemos fazer em cada parte das mãos, o tempo que deve ser empregado no processo, a ordem em que tudo isso deve ser feito... tudo muito bem explicado.
Claro que todos já chegam nesta aula sabendo muito bem da importância do gesto e o fazem a muito tempo, mas não de uma maneira “profissional”. Como tantos aprendizados na nossa vida, lavar as mãos é ensinado às crianças tão logo elas possam esticar os bracinhos embaixo do fluxo de água, muito mais para se divertir do que para entender o porquê aquilo ser tão importante.
Na infância é absolutamente válido “salpicar” conhecimento com boas doses de brincadeiras e inocência. Que melhor professor para os pequenos tomarem gosto pela higiene do que a música de Arnaldo Antunes, de onde eu pincei o título deste artigo, especialmente escrito para a semana do dia das crianças.
Um trabalho voltado para o público certo, com a dose adequada de conhecimento sobre objetivos e momentos para se usar o aprendizado (“... antes de comer, beber, lamber, pegar na mamadeira...”) mesclado com ritmo e música, o grau de aceitação é fantástico. Alguns dos meus colegas, dependendo da especialidade que seguiram, talvez não se lembrem das aulas catedráticas de “assepsia manual”, mas se lembram da música, mesmo décadas depois de terem a ouvido.
Com isso quero deixar a mensagem para que respeitemos o mundo infantil e o seu lúdico característico, cultivemos a sua curiosidade, protegendo nossas crianças de ideias prontas, desenhos feitos por inteligências artificiais, telas em excesso e principalmente, preconceitos advindos das nossas próprias dores e medos.
Houve um tempo em que remédio bom era remédio amargo, que tratamento “que resolvia” era receber aquela injeção grande e dolorida no glúteo, tão melhor quanto mais “ardida”. Já ouvi envolverem pediatras em ameaças contra o mau comportamento: “Se não colocar o agasalho, vai resfriar e eu te levo no médico!”.
A criança ouve tudo isso e, mesmo depois entendendo que se trata de uma brincadeira (de mal gosto), marca-se no inconsciente a ligação entre o“cuidar-se” e o “tratar-se” com atos de dor, de ameaça e punição. Essa sensação de medo vai acompanhá-la o resto da vida, tal como uma música “grudenta” que a gente não consegue esquecer (muitos de vocês devem estar “ouvindo” Arnaldo Antunes cantando agora mesmo dentro da sua mente)
Como podemos mudar esse quadro? Conversando com a criança, explicando que o tempo de dor já passou. Hoje pode ser diferente porque nós somos diferentes.
Digam isso não só para aquela criança que cuidamos na nossa parentagem, mas principalmente com aquela que está aí, agora mesmo, sentada dentro de você. Aquela que já sentiu medo diante deste mundo adulto um tanto agressivo e frio. Nossas palavras transbordam o que existe nos nossos corações e nossos filhos e filhas só irão entender o que nós mesmos sentimos.
Vamos deixar o medo também ir embora debaixo da torneira? Feliz Dia das Crianças para nós.
Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia