Terceiro e mais recente romance de Aline Bei, “Uma delicada coleção de ausências” é um incômodo e belo livro. O incômodo vem da trama inusitada que envolve três mulheres da mesma família, de gerações diferentes. A beleza anda por toda parte, na estruturação do romance, na força das personagens e na linguagem singular e poética que a autora concebe. A delicadeza do título espalha-se pelas páginas do livro. Conta a história de Margarida, Laura e Felipa.
Margarida é avó da adolescente Laura e, no começo do livro, somente as duas dividem o pequeno lar suburbano. Felipa é a mãe de Margarida e, portanto, bisavó de Laura. A casa é da bisa, mulher muito religiosa que, até então, morava nos fundos de uma casa paroquial, em companhia de freiras e de um sacerdote (“Felipa foi feliz lá, mais do que na vida pecaminosa que se leva nesta casa, e não só nos dias de hoje, em que Margarida lê mãos...”). Mas ela é trazida pelo padre para voltar “provisoriamente” a morar com a filha, devido a reformas urgentes e necessárias na casa paroquial.
Passam a ser três na casinha. Laura, que antes dormia com a avó no único quarto, agora divide o cômodo com a bisavó, e Margarida fica no sofá da sala (“é importante dormir, dormir e se afastar pelo sono das pessoas que moram na mesma casa” diz o narrador). Laura quer saber da mãe, Glória, moça muito bonita que caiu na estrada em companhia de um sujeito endinheirado. Ela deixou a filha - de pai desconhecido - ainda bebê com Margarida e nunca mais deu notícias.
A avó cuida com desvelo da neta, a quem vê crescer, e por ela desdobra-se. Na juventude, Margarida fugira e perambulara com uma trupe de circo (“foi embora com o circo, o corpo balançando no trailer ao longo da estrada, e hoje sente medo de que Laura tenha o mesmo impulso”). E foi no universo circense que aprendeu a ler as mãos das pessoas. Um dia voltou para a casa de Felipa, viúva de Nélson, com quem a filha pouco conviveu. Agora, Margarida sustenta com dificuldade a família lendo o destino alheio em uma feira de antiguidades e, depois, na própria casa.
Laura está se despedindo da infância. Na escola, tem duas amigas inseparáveis com quem partilha descobertas e desejos. Nesse universo da família das três mulheres gravita Camilo, colega de Margarida. Ele vende bugigangas na feira de artesanato e faz tudo na casa da amiga, consertando uma coisa e outra. Sempre prestativo, Camilo também ajuda financeiramente Margarida e vai ganhar destaque ao longo do romance. Três mulheres com traços em comum – e não só os físicos -, como os de trajetória, em que há sonhos – alguns interrompidos--, assim como abusos e violência (paro por aqui por ter ultrapassado a cota de spoilers).
Aline Bei nasceu em São Paulo, em 1987. Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica e em Artes Cênicas pela Célia Helena Artes e Educação, a autora estreou com o romance “O peso do pássaro morto”, ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura em 2017. Em 2022, lançou “Breve coreografia do adeus”, finalista do Prêmio Jabuti. Sobra talento nesta jovem escritora brasileira.
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)