Um conhecido médico-cirurgião da nossa região costumava falar para seus clientes de obesidade, candidatos a fazerem a cirurgia bariátrica, a icônica frase:
“Vou operar a sua barriga, mas não vou mexer com a sua cabeça!”. Acredito que muito pode ser explorado somente nesta frase, com relação à questão da obesidade e emagrecimento nos dias de hoje.
Primeiro, o sobrepeso e a obesidade sempre foram problemas de saúde muito atuantes na vida das pessoas e, até recentemente, eram tratados inadequadamente. Por um lado, faltavam medicações de ação realmente contundente para o tratamento (e por isso a opção cirúrgica era amplamente usada) e por outro que ela sofria de muito preconceito e estigma: o obeso era alguém que não melhorava simplesmente porque “não queria” pois bastava “ter força de vontade e parar de comer” para emagrecer.
Ainda que essa ideia não fosse real, muitos faziam “vista grossa” e a repercutiam e utilizavam, mesmo no meio médico, o que era muito triste de se ver. Pessoas adoecidas eram classificadas como “fracas” e “indisciplinadas” porque eram refratárias aos tratamentos propostos.
Segundo, quando o colega fala da sua impotência de mudar a “cabeça” do paciente com a técnica cirúrgica, claramente faz referência ao fato de que obesidade tem um componente comportamental que, pelo que já foi dito somado pela escassez de recursos aos profissionais que se propunham a tratá-la, era ignorado. Com isso os tratamentos tinham baixa taxa de sucesso e assim foi por muitos anos.
Recentemente, uma nova classe de medicações foi aprovada para o tratamento da diabetes “tipo dois” e da obesidade, que a ela está intimamente ligada. Os resultados são os mais promissores dos últimos 50 anos, eu penso.
Essas medicações atuam diretamente sobre o sistema endócrino do estômago e do pâncreas, regularizando a secreção de hormônios como a insulina. Com essa ação o corpo passa a se comportar como se sempre estivesse “cheio de comida” transmitindo essa sensação ao seu usuário. O resultado é que os resultados vêm com muita facilidade, precisando de um mínimo de esforço do usuário para manter uma dieta pobre em calorias.
Contudo, não sentir o problema não significa que ele “sumiu” – infelizmente. Por detrás de toda compulsão existe uma carência procurando ser suprida. O vazio que levou essas pessoas a se submeterem a dietas e comportamentos pouco saudáveis advêm de suas histórias de vida e circunstâncias. Até mesmo o preconceito que sofreram pelas suas condições estéticas contribuem para a baixa autoestima e complexos que só acentuam o vazio que sentem nas suas vidas.
Muitos acham (inclusive no meio médico) que o fato de “alcançar” a meta de determinado peso pode cancelar todas essas carências, mas não. O paciente pode se ver um tanto frustrado ao perceber que o peso da balança não lhe confere o que ele acha que poderia ajudar-lhe com sua situação: reconhecimento, acolhimento ou mesmo segurança para se colocar no meio. Psicologicamente, as coisas ficam “na mesma”.
A armadilha é que perdas de peso sem acompanhamento, desmedidas ou mesmo aceleradas são insustentáveis em curto prazo, gerando desnutrição e afetando negativamente outros sistemas do organismo, como o imunitário e mesmo o neurológico.
A evolução do tratamento é ótima em si, mas a presença do médico e de uma visão integrativa continua sendo fundamental para a mudança de vida destes pacientes.
Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)