06 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Lipedema: fáscia, imunidade e movimento como aliados


| Tempo de leitura: 3 min

O lipedema é uma condição ainda pouco reconhecida, mas que impacta a saúde e a qualidade de vida de milhões de mulheres em todo o mundo. Diferente da obesidade comum, ele não se resume ao acúmulo de gordura: trata-se de uma alteração crônica do tecido conjuntivo, em especial da fáscia, que provoca o depósito desproporcional de gordura em regiões como pernas, quadris e braços. Esse acúmulo vem acompanhado de dor, sensibilidade, tendência a hematomas e uma sensação constante de peso, que muitas vezes limita o movimento e afeta a autoestima. O desconhecimento sobre a doença faz com que muitas mulheres sejam mal diagnosticadas, recebam apenas recomendações genéricas de emagrecimento e vivam em um sofrimento silencioso.

Nos últimos anos, a ciência tem revelado novas perspectivas sobre essa condição, incluindo achados recentes apresentados no 7º Congresso Internacional de Pesquisa sobre Fáscia, do qual participei recentemente, nos Estados Unidos, onde as últimas descobertas científicas sobre este tema foram discutidas. A fáscia, a rede de colágeno que envolve músculos, nervos e vasos, não é apenas uma estrutura mecânica: trata-se de um tecido vivo e ativo. No lipedema, a fáscia desempenha um papel central, principalmente em sua camada mais superficial, que sofre alterações significativas, tornando-se mais rígida, menos elástica e propensa ao acúmulo de líquido intersticial. Isso contribui diretamente para a dor e para a sensação de inchaço constantemente relatada no lipedema.

Outro aspecto importante é o papel da imunidade. O lipedema não é apenas estético: ele tem uma base imunológica. Alterações na resposta inflamatória do corpo favorecem o inchaço, a retenção de líquidos e a fibrose da fáscia, já que esta, abriga células de defesa chamadas mastócitos, que quando ativadas em excesso, liberam substâncias inflamatórias, como histamina e citocinas, que aumentam a permeabilidade dos vasos, favorecem o edema (inchaço) e perpetuam a inflamação do tecido. Essa resposta exagerada ajuda a entender por que mulheres com lipedema apresentam dor ao toque, hematomas frequentes e sensibilidade aumentada. Trata-se, portanto, de uma condição que vai muito além da estética: envolve alterações estruturais e imunológicas que precisam ser reconhecidas e cuidadas.

A boa notícia é que o exercício é um dos recursos mais eficazes no manejo do lipedema. Mas não qualquer exercício: a ciência mostra que práticas que estimulam a circulação linfática, a hidratação da fáscia e a consciência corporal trazem benefícios significativos. Atividades aquáticas, como hidroginástica e natação, favorecem a drenagem linfática e aliviam a sobrecarga articular. Os treinos de força, quando adaptados, aumentam a estabilidade, protegem articulações frágeis e diminui a dor. Já práticas voltadas para a fáscia, como alongamentos miofasciais, drenagens linfáticas e estímulos fisioterápicos específicos, como manipulações, contribuem para melhorar a mobilidade, reduzir tensões, favorecer a circulação dos fluidos e hidratar o tecido. Isso porque o movimento auxilia no equilíbrio do sistema nervoso autônomo, reduzindo o estresse e indiretamente, modulando a resposta inflamatória.

Mais do que um tratamento, o lipedema pede um novo estilo de vida. Alimentação equilibrada e anti-inflamatória, sono reparador, hidratação adequada e técnicas de autorregulação emocional compõem estratégias eficazes para modular a resposta imunológica e melhorar a saúde da fáscia. Quando somamos essas práticas ao conhecimento, ao diagnóstico precoce e apoio médico, é possível reduzir sintomas, melhorar a qualidade de vida e resgatar a confiança.

O lipedema é uma doença real, com bases genéticas, imunológicas e teciduais. Informar a população e oferecer acesso a diagnóstico e acompanhamento adequado é abrir espaço para um olhar mais humano e compassivo. Ao falar sobre lipedema, falamos sobre ciência e saúde, mas também sobre esperança. Um corpo que sofre pode se transformar quando compreendido, cuidado e acolhido de forma integral. A fáscia, a imunidade e o movimento nos mostram que é possível ir além da dor e encontrar caminhos para viver com mais equilíbrio, leveza e vitalidade. Muita saúde a todos.

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)