13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Para que não se acendam fogueiras


| Tempo de leitura: 3 min

Recentemente tive contato com vídeo curto, menos de um minuto, um trabalho fantástico de mesclar crítica com humor, resultando em uma sátira um tanto ácida, mas trazendo para discussão assuntos de máxima importância.

Ele mostrava um ambiente escuro, rural, em uma noite de lua cheia, com várias pessoas reunidas ao redor de uma pilha de lenha de onde se erguia uma estaca. Os figurinos rústicos sugeriam que se passava em algum período medieval, na Europa. Um personagem próximo à estrutura, vestido de hábito monástico marrom escuro, com uma enorme cruz metálica no peito e um livro grosso de capa escura em mãos, falou de forma firme:

“Tragam a bruxa!” – fazendo com que outros aldeões buscassem uma mulher que se encontrava amarrada, enquanto outros embebiam estaca e lenha com óleo escuro, refletindo o brilho de tochas acesas que se erguiam, ainda mais atrás.

Eu confesso que essa cena me arrepia “até os ossos”. Recorda um período da história ocidental onde ganância e luta pelo poder alimentou-se da dor e da vida de mulheres, para tomá-las de exemplo de que não se deve questionar quem escreve as leis dos céus e da terra, de que é perigoso ousar fazer diferente e que o gozo da liberdade e o prazer é exclusivo dos que são nobres no sangue e nos bolsos.

Mulheres parteiras, mulheres curandeiras, que estudavam ervas e as preparavam para o alívio do sofrimento. Mulheres terapeutas, que ouviam problemas, acolhiam e aconselhavam. Mulheres sacerdotisas que faziam ponte com a espiritualidade (não autorizada, na época). Mulheres que limpavam feridas, imobilizavam ossos quebrados, prescreviam tratamentos. Ali, no pé da fogueira, eram todas simplesmente “bruxas”.

Muitas faziam atividades que profissionalmente eu faço hoje. Eu, que sou homem. Eu, que tive a oportunidade de estudar e participar de uma tradição (médica) que, há pouco tempo, era quase uma exclusividade masculina. Homens (como eu) poderiam me receber no seu círculo de autoridade, enquanto ririam em escárnio de mulheres que tentassem o mesmo.

Acho que conseguiram sentir que é difícil carregar identificação com a posição de ambos, assassino e vítima, dentro de mim, ao mesmo tempo.

O vídeo continua, contudo, trazendo a mulher, de cabelos ruivos, longos e soltos, em cachos escorrendo pelos seus ombros, parcialmente expostos pela roupa fina de decote entreaberto, talvez rasgado pelas mãos de um dos seus inquisidores, que achou apropriado expor sua pele alva e olhos claros para outras mulheres da “plateia”, essas com cabelos presos e impecavelmente controlados, roupas até os pescoços, com o olhar baixo visando o chão e, principalmente, de bocas fechadas.

Ouvia-se brados de “queimem a bruxa!” vindos da escuridão. Um espetáculo de terror estava para começar.

Sendo amarrada na estaca, a nossa protagonista mostra-se incrivelmente astuta: Grita com plenos pulmões não por clemência, mas afirmando ser conhecedora de um feitiço capaz de “expandir” certa parte do corpo masculino.

Um silêncio impactante deu-se em toda a cena. Tal como em magia, todos pararam de se mover e ouve-se, então, uma voz (grave) gritando anônima pela escuridão:
“ Soltem a bruxa!” – sendo seguida por muitas outras vozes de tom semelhante, exigindo o mesmo.

A piada é boa. A crítica, melhor ainda. Todos perdem com o patriarcado e seus filhotes de hoje em dia. A associação de sexualidade e pecado, seguidas banalização e comercialização do seu sagrado ainda paira no subconsciente da nossa sociedade e, acreditem, impacta até mesmo na saúde física de todos, seja biologicamente homens ou mulheres.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)