13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

O que fazer com seu leão?


| Tempo de leitura: 3 min

Entre dar um pedaço de pera para meu cachorro sentado ao lado da minha cadeira e dar um gole na xícara de café, eu comento com minha esposa:

“Estou tendo que criar um leão por dia, ultimamente!” – eu me referia à quantidade de tarefas que tinha para o dia de trabalho, adiante.

“Você quer dizer ‘matar’ um leão por dia, não?” – responde ela, atenta ao nosso diálogo e à própria xícara de café. O nosso café da manhã é um ritual sagrado, tanto para nosso corpo quanto para nosso relacionamento. Acordamos mais cedo para fazê-lo com calma e conversar sobre o nosso dia.

“Não, não” – disse eu, rachando pão torrado com as mãos – “criar mesmo. Matar é mais fácil: exige um esforço intenso, mas depois, acaba. Criar é algo muito mais estruturado, exige presença e comprometimento”,- completei.

Claro que ela quis me matar, depois de um comentário sarcástico destes, ainda antes do sol raiar. No entanto, a comparação é válida para muitas situações: vejam o caso de iniciarmos um tratamento de alguma doença crônica e persistente, digamos, o “colesterol elevado”.

O colesterol não é algo “que deu errado” no organismo. Ele existe normalmente, em níveis ideais para fornecer matéria-prima para construção de membranas celulares e outras moléculas importantes, como os hormônios. A famosa testosterona, por exemplo, tem na sua estrutura o colesterol.

Sendo um “bloco construtivo” de outras estruturas maiores e mais complexas, ele é encontrado em lugares onde existe grande atividade metabólica, ou seja, onde o organismo está trabalhando para melhorar, ampliar, potencializar a própria performance. Neste ponto começaremos a entender o problema.

No senso comum, a melhora da performance é obtida com um esforço maior, que produz os resultados desejados de maneira imediata. Contudo, esse esforço raramente é sustentável e por isso, as melhoras também não. Não se reconhece como fundamental a consistência do processo, presente em fazer o que é possível e sustentável, ainda que não produza o esperado imediatamente.

Como na anedota do leão, “matar” é algo que demanda um esforço grande, mas por um curto período, podendo-se relaxar da tensão no momento seguinte. “Criar”, por outro lado, envolve um esforço não tão intenso, mas por um período prolongado, por vezes até indefinido.

Dentro de estudos psicossomáticos, acredita-se que o estímulo para ativar a produção exagerada de colesterol esteja justamente neste tipo de comportamento: esforços intensos para atingir uma meta quase impossível (que pode vir do campo profissional, relacional ou qualquer outro) onde a pessoa se entrega demasiadamente ao processo, liberando cortisol, adrenalina e outras substâncias de ativação e desempenho, forçando as estruturas, entre elas as próprias artérias que levam o sangue para toda essa atividade.

Depois de uma “enxurrada” de ação, o corpo entrará em um relaxamento proporcionalmente intenso, criando uma oportunidade para os sistemas nervoso, endócrino e imunitário ativem o “modo de reparação” das lesões feitas na atividade. Isso eleva os níveis de colesterol, para que o conserto comece. Só que ele nunca acaba, pois a necessidade de outro esforço “sobre humano” vem para que o ciclo se repita.

Apesar de menos glamuroso e heroico, “criar o leão” com esforços proporcionados à capacidade de trabalho, limitados pelo bom senso e de maneira constante, são mais saudáveis para o corpo porque não demandam rompantes de ação lesivos a longo prazo.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em Osteopatia e Medicina Tradicional Chinesa (xan.martin@gmail.com)