13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Resposta ao tempo


| Tempo de leitura: 3 min

“Aldir Blanc – Resposta ao tempo – Vida e letras” é um livro precioso. Conta boa parte da trajetória do compositor carioca Aldir Blanc e traz também muitas de suas letras. Escrito pelo jornalista Luiz Fernando Vianna, o volume foi lançado em 2012, oito anos antes da morte do artista (Aldir morreu em 2020, vítima da covid-19). Não se propõe a ser uma biografia minuciosa e tradicional, mas um perfil composto de retalhos a partir de entrevistas do jornalista com o artista, desde sempre um bom contador de causos. Reconhecido no Brasil inteiro por ter sido um de nossos melhores letristas de música pop, Aldir Blanc foi também um cronista de primeira. Seus textos saíram em periódicos como o “Jornal do Brasil”, “Última Hora” e “O Pasquim”. O biógrafo conta como personagens da infância de Aldir povoaram suas crônicas, além dos cenários por onde viveu: Vila Isabel, Estácio, Paquetá, Tijuca... Fala de sua paixonite por leitura, incentivado pelos avôs e pelo pai: leu gibis, romances de aventura, livrinhos de banca de jornal e o que aparecesse no entorno. Adulto, continuou lendo muito: ensaios, biografias, História Geral (uma canção como “Lupicínica” mostra um naco dessa miscelânia). Conta como começou a curtir bateria, improvisando o instrumento com latas e tampas, para desespero dos involuntários ouvintes – familiares e vizinhos. Até que o avô lhe deu uma bateria de verdade para o rapaz ensaiar, o que melhorou muito o som – embora a audição dos desavisados permanecesse abalada. Aldir participou de conjuntos musicais efêmeros e chegou a tocar profissionalmente. Entre os anos 1960 e 1970 nasceram algumas de suas amizades musicais e um primeiro sucesso como compositor, parceria com Sílvio da Silva Júnior: “Amigo é pra essas coisas” (“Salve!/Como é que vai?/Amigo há quanto tempo.../Um ano ou mais (...)”). A canção virou hit com a gravação do MPB-4, em 1970. No ano anterior, Aldir conheceu seu parceiro mais prolífico, João Bosco. A dupla compôs hinos do cancioneiro nacional, como “Mestre-Sala dos Mares”, “O Bêbado e a Equilibrista”, ”Dois pra lá, dois pra cá”, “Nação”...   

O livro fala ainda do médico psiquiatra Aldir Blanc, formado em 1971. Ele conciliou Medicina, música, crônica e boemia, até deixar a primeira. Fala do nascimento das filhas gêmeas, mortas ainda bebês. A morte das meninas desenvolveu fobias no pai, sendo a reclusão a mais conhecida (de boêmio curtidor de noitadas, ele tornou-se ermitão de poucas escapadas para o convívio social). Fala de sua briga ao lado de outros artistas pelos direitos autorais. O que era ruim com gravadoras e escritórios de arrecadação tornou-se ainda pior, neste nosso século, com os serviços de streaming – pagadores de farelos de migalha para os compositores.    

O título do volume retoma um de seus clássicos, parceria com Cristóvão Bastos, imortalizada na voz de Nana Caymmi: “Batidas na porta da frente: é o Tempo/eu bebo um pouquinho pra ter argumento/mas fico sem jeito, calado, e ele ri,/ele zomba do quanto eu chorei/porque sabe passar, eu não sei...”. Aldir não passou. Permanece como um dos nossos maiores artistas.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)