A cultura da excessiva exposição infantil nas redes sociais, bem como, no Instagram, TikTok e YouTube, está trazendo sorrateiramente um dano silencioso e cumulativo de reforçar comportamentos sem limite. Vídeos de crianças aparentemente fofas, tidos como espontâneos ou cheios de liberdade de expressão, na verdade, mostram desrespeito aos adultos, deboche de regras ou tomada de decisões que não lhes cabem. São menores. Necessariamente têm de ter a supervisão de um adulto. O óbvio, é adulto cuidar de criança que ainda não tem idade nem experiência para arcar com as consequências de seus atos. No entanto, as malcriações são celebradas com aplausos e emojis.
"Pais que não disciplinam seus filhos terão que sustentá-los a vida inteira", são as sábias palavras do psiquiatra Içami Tiba. Ele alerta que educar é preparar para a vida, e isso exige dizer “não”, mesmo diante de lágrimas, birras ou reações públicas. É ensinar valores e impor limites, essenciais para a formação de cidadãos éticos e responsáveis. Desde o nascimento, a criança precisa de ritmo, rotina e limites biológicos como amamentação com horários, alimentação estruturada. A ausência deles compromete a adaptação escolar e social, levando à dispersão, procrastinação e dependência.
O fenômeno da “vida em vídeo” publicada nas redes sociais por adultos é replicada na exposição da infância. Aquela vida arrumadinha, perfeita, sem erros, detalhadamente preparada para receber likes e consequente validação externa, mesmo que seja uma aberração, parece mais importante do que vivê-la.
A era digital inverteu papéis, onde filhos tornam-se os “influencers” da família, e os pais, meros coadjuvantes ansiosos por aprovação. A autoridade parental, que deveria ser exercida com empatia, firmeza e propósito, está sendo substituída por likes, vídeos virais e a busca inconsciente por aceitação digital. Ao tentar agradar filhos e seguidores, muitos adultos abandonam a função de educadores para se tornarem espectadores permissivos da própria casa, invertendo valores fundamentais para a formação do caráter dos pequenos.
O medo de parecer autoritário ou pouco moderno tem levado muitos adultos a confundir limite com repressão quando, na verdade, significa estrutura e cuidado. Como resultado desta inversão de valores, temos visto crianças com baixa tolerância à frustração, emocionalmente imaturas e despreparadas para lidar com o contraditório. Para Içami Tiba, “o não dado com coerência educa muito mais do que o sim dado por culpa ou vaidade”.
Pesquisadores educacionais reafirmam que limites claros e consistentes são fundamentais para a saúde emocional da criança, reduzem a ansiedade, fortalecem o senso de segurança e promovem a autorregulação. Crianças que sabem até onde podem ir, se sentem mais protegidas e confiantes. Além disso, a ausência de fronteiras pode gerar um fenômeno conhecido como parentificação, ou seja, quando a criança assume responsabilidades que deveriam ser dos adultos, como tomar decisões, ditar rotinas ou controlar a família emocionalmente.
O limite protege, orienta e ajuda a criança a desenvolver empatia e senso de coletividade. Sem ele, cresce achando que tudo gira em torno dos seus desejos. E o adulto que ela se tornará, provavelmente, será alguém que cobra do mundo a permissividade que teve em casa.
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)