13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

O dia que eu visitei Auschwitz


| Tempo de leitura: 4 min

Eu estava com medo. Tudo o que eu já tinha lido, visto e ouvido sobre o nazismo iria se materializar em forma de memória viva e eu não tinha certeza se eu queria presenciar isso. E se eu chorasse no meio do caminho? Sentir toda a energia daquele lugar estava me tirando o sono. Até crise de ansiedade uns dias antes eu tive. Eu também estava com medo de, no fim das contas, não me sensibilizar o bastante. E se passasse pela minha cabeça, por um segundo sequer, em relativizar de qualquer forma que fosse, a dor das milhões de pessoas que foram exterminadas ali? Eu estava com medo… Mas nenhum, e nem todos eles juntos, pode ser comparado com o medo de quem entrou em Auschwitz sem qualquer perspectiva de sair de lá vivo.

Visitar Auschwitz sempre esteve nos meus planos, mas nunca movi uma palha para que isso fosse possível. Foi a Carol, minha companheira, quem fez muita questão de incluirmos na nossa viagem para Alemanha uma passada rápida na Polônia. E o dia da famigerada visita estava lindo: sol forte e céu completamente azul. Um contraste com o inferno.

A primeira passagem do tour guiado foi um corredor gigantesco que dá acesso até a entrada principal do campo de concentração. Caminhamos por uns três minutos e, em silêncio absoluto, as pessoas eram capazes de ouvir duas coisas: seus próprios passos fazendo eco no concreto e uma gravação que ficava o dia inteiro falando os nomes das vítimas do extermínio nazista. Eu já precisei engolir o choro ali mesmo.

Foi então que eu vi o famoso arco do portão principal com os dizeres “Arbeit Macht Frei”. Essa frase significa “O trabalho liberta”, uma falsa promessa para quem entrasse ali, uma crueldade que enchia de esperança milhões de prisioneiros que era possível sair com vida. O que seria de uma prisão se seus prisioneiros não pudessem sonhar com a liberdade?

Assim que passei pelo portão entendi que estava nas dependências de um dos lugares
mais horrorosos da história da humanidade. O dia estava lindo e o verde do gramado é das árvores davam um ar de beleza, mas como a frase da entrada, era só para criar uma falsa esperança de que ficaria tudo bem.

As primeiras galerias que visitamos eram dedicadas ao recebimento dos condenados. Perdiam suas roupas e pertences, raspavam os cabelos e vestiam um pijama listrado com um número de registro. Esse número era tatuado na pele, exatamente como é feito com gado. A partir daquele momento, aquele ser humano deixava de ser considerado uma pessoa.

Mas nada é mais assustador naquele inferno do que as câmaras de gás. “A solução final”, como ficou conhecida, tratava de transformar os campos de concentração em campos de extermínio.

Auschwitz teve uma câmara de gás que serviu como experimento. Eu entrei nessa câmara e posso afirmar com muita segurança que o ar fede a medo. Nas paredes, é possível ver marcas de arranhões das pessoas desesperadas para fugir. O clima é pesado e carregado demais para você ficar ali mais do que um minuto. E quando você pensa que terá alívio, vem o crematório anexado onde os corpos eram incinerados.

Eu saí transformado dessa visita. E olha que eu já sabia de muita coisa que acontecia ali e me preparei psicologicamente por dias. Mas não tem como sair de lá a mesma pessoa que entrou. O horror fica estampado na sua alma e você entende, mesmo que pouco, até onde a maldade humana pode chegar.

Milhões de pessoas visitam Auschwitz todos os anos e é uma pena não ser um privilégio para todos. Por isso é muito importante visitar museus e exposições sobre o holocausto onde quer que seja, para já se ter uma noção do que de fato houve.

Lembro de uma vez que levei meus alunos do ensino médio em uma escola que trabalhei para uma exposição que rolou no Museu Solar do Barão, em Jundiaí, no qual se falava sobre o holocausto. Na ante-sala do museu, esperando o guia chegar, a diretora desse colégio olhou para trás (para os alunos) e fez o seguinte comentário: “eles não vão jogar gás aqui na gente não, né!?”. O deboche dela (ela estava rindo da “piada” que fez) me deixou muito constrangido naquele dia. Hoje eu lembrei disso e fiquei com raiva.

Mas a ignorância dessa mulher que trabalha como educadora é só o reflexo da nossa pouca cultura museológica. Os museus e memoriais servem para, de uma maneira muito didática, aprendermos algo. No caso de Auschwitz, lembrar para nunca mais repetir. Fico pensando o quão necessário é ter museus espalhados pelo Brasil sobre a escravidão.

O tour havia acabado e o dia continuava lindo, mas ali, no inferno, a única beleza é deixá-lo para trás.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt)