13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

O que vai sobrar


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Os catastrofistas acreditam que a Inteligência Artificial Generativa acabará com milhares de ocupações que não deixarão rastro. A esperança de que ela crie novas profissões é uma promessa ainda difusa. Como certeza, existe a constatação de que a educação convencional ainda não acordou e continua a transmitir ao educando informações que ele pode encontrar na internet, de maneira mais rápida e com obtenção de dados atuais, nem sempre disponíveis aos docentes.

A educação de hoje precisaria focar nos chamados soft skills, aquelas competências tão negligenciadas pelo ensino tradicional. Empatia, capacidade de comunicação e de adaptar-se ao inesperado, condições para cooperar, enfrentar cenários adversos. Produtividade, ética e compromisso. Valores que foram esmaecidos e que deixaram imensa lacuna em gerações que parecem assustadas e ansiosas, diante daquilo que terão de encarar.

É preciso ter coragem para recuperar aquelas profissões que a IA não conseguirá substituir. Uma delas é a de cuidador. Consta que existam seis milhões de cuidadores no Brasil. Isso, de acordo com dados que levam em conta a formalidade. O quadro real deve ser muito superior. Será que a tarefa de cuidador poderá ser exercida pelos recursos da Inteligência Artificial?

Não é possível que um robô consiga alimentar o idoso imobilizado, no ritmo em que ele consegue engolir o alimento. A vagareza, a lentidão, as pausas, tudo isso vem com a idade. Nem poderá o chatbot higienizá-lo, dar-lhe banho, ajudá-lo quando for fazer suas necessidades. Há de se pensar nisso. E não resta muito tempo para planejar o que será a vida dentro de alguns anos.

A população brasileira envelhece rapidamente. Uma escala coincidente com a queda de fecundidade das mulheres. Nascem menos crianças, restam mais velhos. Cada vez mais velhos, graças à vacinação, à medicina, à indústria farmacêutica e aos cuidados que os longevos estão aprendendo a adotar: exercícios, dietas, higidez mental, etc. Eles vão necessitar de cuidadores. Já existe até uma lei que torna o cuidado um direito fundamental e fornece parâmetros para a regularidade da profissão de cuidador. É algo que requer conhecimento específico. Não é aquela ajudante doméstica chamada a assumir responsabilidades para as quais não está preparada. O amadorismo pode ser fatal. Pense-se no risco de queda que acompanha a “melhor” idade e que tem sido o gatilho deflagrador de seu encontro com a ceifadeira...

Assim como a profissão de cuidador, outras tarefas talvez também não possam vir a ser substituídas pela Inteligência Artificial. Semear e acompanhar a germinação das sementes. Manter os canteiros libertos de insetos e pragas inimigas da vegetação. Cultivo e colheita de hortaliças, de verduras e legumes, de frutas. Preparo de geleias e de compotas.

A vida no campo terá de encontrar um êxodo ao contrário. Voltar à vida rural é a certeza de mais saúde física e mental. Já se comprovou que respirar os gases venenosos expelidos pelos veículos abastecidos por combustível fóssil encurta a vida do citadino por pelo menos quatro ou cinco anos. Isso tem de ser levado em conta quando se apregoa que a IA vai acabar com todas as profissões. Acabar com muitas, isso vai mesmo acontecer. E já está acontecendo. Mas com todas não!

Pense no que mais a máquina será incapaz de substituir o ser humano. Tudo o que precisar de carinho, sensibilidade, emoção, gentileza, será produto da inteligência da primícia entre as criaturas, aquela que, embora muitas vezes se comportando com irracionalidade, ainda é a única espécie verdadeiramente racional.

 
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)