06 de dezembro de 2025
OPINIÃO

A saúde começa pela boca


| Tempo de leitura: 4 min

Você sabia que a nossa saúde bucal pode estar diretamente ligada ao nosso cérebro, coração, postura e até mesmo ao nosso quadril e pés? Pode parecer exagero, mas não é. A boca é uma verdadeira central de comando do corpo, conectada com múltiplos sistemas: neurológico, respiratório, digestivo, postural e até ao fascial. Cuidar da saúde bucal vai muito além do sorriso.

Pesquisas mostram que doenças periodontais, como gengivite e periodontite, não afetam apenas a saúde local. Elas liberam bactérias e mediadores inflamatórios na corrente sanguínea, contribuindo para processos sistêmicos que afetam o endotélio vascular, ou seja, os vasos sanguíneos, aumentando o risco de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e até mesmo Alzheimer. Estudos da American Heart Association alertam que infecções dentárias mal tratadas estão associadas ao aumento de placas ateroscleróticas e de eventos cardíacos. Além disso, microrganismos da flora oral podem migrar e alcançar o cérebro, gerando inflamações neurodegenerativas.

O processo digestivo não começa no estômago, e sim na nossa boca. A mastigação eficaz ativa enzimas como a amilase salivar, essenciais para a digestão dos carboidratos. A quebra mecânica dos alimentos favorece o trabalho gástrico e melhora a absorção de nutrientes. Quando mastigamos mal, comemos rápido demais ou temos disfunções na mordida, sobrecarregamos o sistema digestivo como um todo, inclusive o fígado e o metabolismo lipídico.

A posição da língua no palato, o céu da boca, é vital para uma respiração nasal adequada. Quando a língua está mal posicionada, caída ou empurrando os dentes, há maior propensão à respiração bucal, que altera a oxigenação, a função diafragmática e, a longo prazo, afeta a postura corporal, como sempre abordo aqui para vocês. A respiração bucal também diminui a estimulação do nervo vago, responsável por regular funções vitais como frequência cardíaca, digestão e estados de relaxamento. Já a respiração nasal, com a língua bem posicionada no palato, estimula o tônus vagal, favorecendo um estado fisiológico de calma e presença. Do ponto de vista miofascial, a língua está conectada à fáscia cervical, à fáscia sublingual e à fáscia temporal. Essas estruturas formam um contínuo até o esterno, ombros e até o assoalho pélvico, seguindo para os pés, acreditam? Em outras palavras, a disfunção no freio lingual pode afetar a forma como você caminha, respira e se movimenta. Como digo e repito: no nosso corpo tudo está conectado!

Já a articulação temporomandibular, conhecida como ATM, tem ligação direta com a coluna cervical e com os músculos suboccipitais, responsáveis pelo equilíbrio da cabeça.

Alterações na mordida ou tensão na mandíbula geram padrões compensatórios em cadeia, podendo desorganizar a pelve, o sacro e o quadril. Uma alteração na mordida pode gerar dor no quadril, e um bloqueio na pelve pode repercutir na mandíbula. É a linguagem silenciosa da fáscia que traduz desequilíbrios posturais em sintomas aparentemente desconectados.

A boca é também uma via de acesso para o sistema nervoso central. A mastigação ativa áreas do cérebro relacionadas à memória, foco e atenção. Crianças com disfunção mastigatória ou respiração bucal apresentam mais dificuldades cognitivas e posturais. Em adultos, mastigar de forma consciente é uma maneira de estimular o nervo trigêmeo, um dos principais nervos cranianos, promovendo ativação cortical. Além disso, a respiração nasal favorecida pela boa posição da língua estimula o nervo vago, fortalecendo o sistema parassimpático e contribuindo para a regulação emocional, a redução da ansiedade e a melhora do sono. Um nervo vago saudável é essencial para o equilíbrio entre corpo e mente.

Higiene é essencial, mas também é importante procurar um dentista funcional que avalie a mastigação, a mordida e a posição da língua. Respire pelo nariz, com a língua apoiada no céu da boca. Isso ativa o diafragma, estimula o nervo vago e promove um estado de relaxamento fisiológico. Mastigue bem. Reserve tempo para comer com calma. Isso melhora a digestão, o foco e reduz o estresse. Avalie sua ATM. Estalos, dores ou tensões na mandíbula merecem atenção de um profissional especializado. Integre corpo e boca nos treinos. Movimentar a língua e treinar a coluna cervical, pode ajudar a equilibrar tensões entre mandíbula, coluna e pelve. Alinhe o corpo com consciência. A forma como mastigamos, respiramos e nos movimentamos pode ser o ponto de partida para uma saúde mais integrada.

Cuidar da boca não é apenas um ato estético, é um gesto de autocuidado profundo, com repercussões em todo o organismo. Porque a saúde, de fato, começa pela boca. Muita saúde a todos

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)