06 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Exaustão silenciosa


| Tempo de leitura: 3 min

Você vive com pressa? Notificações constantes, estímulos visuais, sonoros, emocionais e mentais a cada instante têm feito parte da sua rotina? Muitas pessoas já acordam com o celular na mão e o corpo tenso, antes mesmo de sair da cama. Vão acumulando tarefas, informações e até mesmo treinos físicos diários pesados, em uma rotina já sobrecarregada que, muitas vezes, não respeita os ritmos naturais do corpo humano.

O corpo, no entanto, continua funcionando com a mesma sabedoria biológica de sempre: ele sente! E quando esses estímulos ultrapassam nossa capacidade interna de processar, recuperar e integrar, o resultado é uma sobrecarga que se instala lentamente, de forma silenciosa. 

Mas embora silenciosa, essa exaustão cobra um preço alto: cansaço persistente, dores difusas, insônia, ansiedade, lapsos de memória e até alterações digestivas têm se tornado queixas cada vez mais frequentes. Sintomas que antes pareciam isolados, hoje são vistos como partes de um mesmo desequilíbrio: o descompasso entre o ritmo da vida e a real capacidade do corpo de se autorregular.

Nosso sistema nervoso é brilhante, nos mantém alertas diante de desafios, mas também precisa de tempo e espaço para acionar os mecanismos de repouso e regeneração. O problema é que, ao vivermos constantemente no “modo ligado”, seja por excesso de demandas, treinos consecutivos, agendas lotadas ou tempo excessivo nas telas, o corpo perde a referência de pausa e sem pausa, não há restauração.

Esse estado crônico de alerta, que se expressa em forma de tensão mental, emocional e física, afeta profundamente a saúde integral. E uma das estruturas mais sensíveis a esse processo é a fáscia, esse tecido vivo e inteligente que envolve músculos, articulações, órgãos e até mesmo o sistema nervoso. A fáscia responde diretamente ao nosso estado emocional. Quando vivemos sob tensão constante, ela perde maleabilidade, torna-se rígida, ressecada e espessa. Isso prejudica o deslizamento entre as suas camadas, interfere na circulação, na respiração, no movimento e no funcionamento dos órgãos.

Portanto, sob estresse crônico, a fáscia se reorganiza em padrões de proteção e compensação. É como se o corpo se moldasse à tensão: a postura se altera, a mobilidade diminui, surgem dores inexplicáveis, quadros de fadiga recorrente, e até uma redução da imunidade, já que grande parte das células de defesa transitam por esse sistema conjuntivo.

Mas o corpo também é sábio em se recuperar, se for convidado a isso, claro! É nesse ponto que pequenas pausas conscientes podem fazer toda a diferença. Criar momentos de desaceleração ao longo do dia ajuda a restaurar a harmonia entre nossos sistemas internos. Práticas respiratórias lentas e profundas, feitas com atenção e intenção, ajudam a modular o sistema nervoso, a acalmar os pensamentos e a devolver presença ao corpo. Movimentos suaves, articulares, tridimensionais, muitas vezes esquecidos em rotinas de treino convencionais, hidratam a fáscia, liberam tensões e devolvem fluidez aos nossos movimentos.

Não se trata de parar tudo, mas de criar respiros no fluxo da vida: alguns minutos de silêncio, um espreguiçamento lento ao acordar, um caminhar consciente ao ar livre, a escolha de não pegar o celular logo pela manhã. São atitudes simples, mas que sinalizam ao corpo que ele pode sair do estado de alerta. E esse sinal muda tudo.

Estar em contato com a respiração e com o movimento interno é uma forma de voltar para si. De ouvir o que o corpo está dizendo antes que ele precise gritar. De reorganizar não apenas a postura ou a rotina, mas o modo como habitamos nossos próprios corpos.

A saúde talvez não esteja apenas no que fazemos, mas na forma como fazemos. Está na qualidade da atenção, no respeito aos limites, na arte de desacelerar. Porque, às vezes, é no silêncio entre os pensamentos, na pausa entre os estímulos e na gentileza com o próprio corpo que encontramos o caminho de volta ao bem-estar.

O corpo fala. A fáscia sente. E se não escutamos seus sussurros, ela grita. A boa notícia é que sempre há tempo para escutar de novo. Muita saúde a todos.

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)